A festa do cinema faz-se com cópias novas de Bertolucci, Renoir, Stroheim, Eustache… E não esquece a celebração de Blues Brothers nem o restauro de A Garganta Funda! E muito menos a edição em DVD de Maria do Mar!
Depois do interregno da pandemia, Bolonha volta a ser dominada pela comunidade cinéfila. E a expressão nem corre o risco de ser vulgarizada, pois, por estes dias, quem se deslocar à capital da Emilia Romagna, sedenta do desfrute de obras-primas restauradas, enchendo diariamente e Piazza Maggiore e as diversas salas do festival para assistir aos clássicos restaurados pela Cineteca, está seguro de desfrutar a partir desta sexta feira, dia 25, de um prazer verdadeiramente único.
Na abertura da 36ª edição do Il Cinema Ritrovato caberá a Stefania Sandrelli, com a sessão de um novo restauro da cópia nova do clássico Il Conformista, que Bernardo Bertolucci realizou em 1970. E com a particularidade de nos permitir uma inesperada homenagem a Jean-Louis Trintignant, desaparecido a semana passada, neste filme icónico.
Como se imagina, cada edição do Cinema Ritrovato é extremamente diversificada, este ano com 400 filmes a serem projectados em oito salas da cidade. Naturalmente, com um destaque particular às sessões ‘sotto le stelle’ na Piazza Maggiore. Aliás, essa programação foi já iniciada, em grande, no passado dia 19, como aperitivo ao festival, com a projecção de O Grande Ditador, de Chaplin, numa sessão dedicada à paz. Nos nossos planos está ainda a possibilidade de ver a adaptação que Francesco Rosi fez em 1984, de Carmen, de Bizet, diante das estrelas e na companhia de muitos milhares de espectadores.
Essa é uma programação diária que continuará ao longo do verão, com diversas homenagens, sempre em sessões gratuitas. E sempre com a apresentação, durante o festival, de personalidades do cinema. Assim, além de Stefania Sandrelli, também o cineasta Walter Hill (The Warriors), a atriz Alice Rohrwacher (a apresentar o seu novo filme, Le Pupile), além de Thierry Frémaux (o director artístico do festival de Cannes), John Landis (apresentará Blues Brothers) ou Wes Anderson (apresentará The Last Picture Show, de Peter Bogdanovich), entre muitos outros.
O festival propriamente dito divide-se sobretudo em três secções, com diversas sub-secções: desde logo, O Paraíso dos Cinéfilos (Il Paradiso dei Cinefili), com curadoria de Gian Luca Farinelli, director da Cineteca de Bolonha e criador do festival (em 1986), com uma lista vasta de várias dezenas de novos filmes restaurados. Só a lista de apelidos impressiona: Renoir, Buñuel, De Sica, Ophuls, Sirk, Stevens, Visconti, Melville, Rosi, Tarkovsky, Eustache, Bertolucci, Carax e Bogdanovich. Mas também Murau ou Stroheim, do período mudo. A este programa clássico junta-se ainda cópias novas de um cinema mais ‘pop’. De Dario Argento (Tenebre) a David Lynch (Twin Peaks: Fire Walk With Me); de John Waters (Pink Flamingo) a Gerard Damiano, com o restauro de A Garganta Funda, de que se celebram os 50 anos!
Já A Máquina do Tempo encarrega-se da evocação centenária, este ano, naturalmente, focada nesse esplendoroso 1922 que nos trouxe filmes como Nosferatu, de Murnau, que terá uma sessão com orquestra ao vivo na Piazza, também Foolish Wives, o primeiro épico de Erich Von Stroheim, igualmente no mesmo espaço, ou Nanuk, o Esquimó, de Robert J. Flaherty (que já teve sessão na Cinemateca Portuguesa e terá ainda em outros festivais, como por exemplo Pordedone). Ainda um programa dedicado ao mítico cineasta pioneiro Victorin-Hippolyte Jasset, a descobrir. Por fim, na secção A Máquina do Espaço vão apresentar-se mostras do japonês Kenji Misumi (1921-75), autor de filmes de época (jidai-geki), uma retrospectiva das comédias alemãs do início dos anos 30, durante o período cabaret. Na rubrica Cinemalibero propõe-se uma viagem ‘não-linear’ por diversas latitudes: da Finlândia a Kerala, passando pelo Brasil. Por fim, mas seguramente não em último, um programa dedicado ao cinema húngaro dos anos 50.
Sim, haverá ainda tempo para rever as duas horas e 40 minutos de A Mãe e a Puta, o clássico de Jean Eustache, de 1973, bem como assistir à conferência sobre o seu restauro, antes da sua exibição, em Lisboa, no Cinema Nimas, já no próximo mês. Portanto, aguarda-nos uma semana de alguma intensidade. Ideal para restaurar o acerto cinéfilo. E que muitos entusiastas poderão celebrar com a cópia em DVD de Maria do Mar, de Leitão de Barros, de 1930, finalista dos prémios de edições digitais do festival. Viva o cinema Ritrovato!