Quarta-feira, Outubro 9, 2024
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Rouben Mamoulian – um toque de desejo rencontrado

No seu livro Biografia do Filme, Marc Cousins elege a aproximação experimental ao cinema como o dado essencial do seu próprio desenvolvimento artístico. Tão eloquente na palavra como na mise en scène do cinema, Rouben Mamoulian (1897-1987), um armeno-americano nascido em Tiblissi, numa família ligada ao teatro, merece estar contemplado na sua ‘biografia’. E com inteira justiça, na sequência da sua aproximação inovadora ao cinema em Hollywood, precisamente no período entre o cinema mudo e sonoro, deixando a marca na sua gramática desse período pré-código de Hayes, como se sabe, censor de todas as práticas consideradas mais ousadas. Na verdade, algo que fez com que grande parte dos eus primeiros filmes fossem travados pela censura.

Rouben Mamoulian (1897-1987)

Nascido no teatro, Mamoulian soube fazer a devida transição para o espetáculo cinematográfico. Sobretudo pela forma como absorver os estudos e trabalho realizado em Moscovo, Paris, Londres, Rochester e Nova Iorque, como informa o catálogo do Il Cinema Ritrovato, que lhe dedica uma coleção luxuosa de belíssimos filmes, devidamente apresentadas pelo co-diretor do festial e programador Ehsan Khoshbakht. Aliás, percebe-se bem a influência direta dos mestres soviéticos, como Eisenstein. E onde a tónica dominante é o extremo bom gosto, os incríveis movimentos de câmara, os close ups, os diálogos picarescos, a par de uma sedução bastante ousada, mesmo para a época, onde o sagrado e o profano andam (e dançam) de mãos dadas. Como bem descreve Ehsan esse “cinema de cetim e seda, com um toque de desejo.

‘Queen Christina’ (1933)

Tal como sucede a várias personagens do universo Mamoulian, a possibilidade de viver uma vida normal é frequentemente negada, pagando por isso um preço elevado. Mesmo a real Cristina, na belíssima prestação de Greta Garbo, em Queen Christina (1933), ou como sucede na obra-prima Dr. Jeckyll and Mr. Hyde (1931), onde o médico (Fredric March) fica dividido entre a ciência e o desejo; ou até no fabuloso Applause (1929), o seu primeiro filme, sobre a vida dentro do palco, em que o chamamento do entretenimento rouba a alma da freira saída do convento, numa perfeita celebração do cinema espetáculo. E onde se sente a câmara totalmente livre, já depois da chegada do sonoro.

Vimos igualmente City Streets (1931), baseado num texto de Dashiell Hammett (o único que escreveu para o cinema), no filme que deu a fama instantânea a Sylvia Siney, mas igualmente o abraço à pintura, em Blood and Sand (1941) ou ao musical, no irresistível Love Me Tonight (1932), com o impagável Maurice Chevalier – provavelmente, num dos melhores musicais de sempre – o clássico Mask of Zorro (1940). Seguramente, passam por aqui algumas das muitas jóias da coroa que vimos na programação deste ano do Il Cinema Ritrovato. Sem esquecer, e como poderíamos, o genial Silk Stockings (1957), o seu último filme, com Fred Astaire e Cyd Charisse. Vénia, Mr. Mamoulian!

‘Silk Stockings’ (1957)

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