Terça-feira, Abril 30, 2024
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Kléber Mendonça Filho: “Nós temos uma voz de cinema bastante peculiar”

Kléber Mendonça Filho já deu provas suficientes de que é um dos (se não o) melhores cineastas brasileiros. E Retratos Fantasmas, um documentário que evoca a sua ligação de várias décadas ao cinema, um dos grandes filmes deste ano.

Trata-se de um filme de arquivo, por assim dizer, em que conjuga os seus filmes em Super 8, Betacam, VHS, Mini DV, filmados com os amigos, na sua casa. São estes os ‘retratos’ da sua memória, no Recife, das ruas, dos cinemas, dos odores. Bem como os fantasmas que habitam ainda as salas de cinema que aqui são revisitadas numa fascinante viagem no tempo. Um tempo feito de imagens, momentos, cheiros e odores. De momentos inexplicáveis, que parecem surgir como verdadeiros ‘fantasmas’ – como o ladrar do cão de O Som ao Redor, escutado na mesma rua, já mesmo depois do cachorro estar morto há algum tempo, sob a forma de uma reposição do filme escutada na televisão do vizinho… Ou até a narrativa que se insinua, mesmo após um filme, e se assume durante uma banal viagem de Uber.

Falámos com o Kléber, numa saborosa conversa via zoom, naquela mesma sala onde se passa tanto do que vemos no filme. Na véspera da sua partida para o festival de Gramado e de um périplo pelas grandes cidades do Brasil e da continuação da promoção do filme no estrangeiro.

Naturalmente, tal como no filme, recuperamos um pouco do passado deste artífice de imagens, bem como aquela ’magia’ – atrevemo-nos a dizer -, aqueles ‘fantasmas gerados a partir de home movies, de pequeno formato, e que se assumem como grandes hipóteses de cinema. Pois até foi assim, durante a investigação deste projeto, que tomou corpo aquilo que será Agente Secreto, o próximo filme deste ex-crítico de cinema, numa colaboração com Wagner Moura. Talvez, como nos revela, um filme que deva chegar às salas em 2025. Garantidamente, com um Brasil mais unido em redor da sua cultura e, em particular, da ‘peculiaridade’ do cinema de Pernambuco.

Retratos Fantasmas estreia nas nossas salas, esta quinta-feira, dia 24, com uma distribuição da Nitrato Filmes.

Ao refletir sobre o filme que vi naquela sessão mítica no cinema São Jorge, no passado dia 17 de Julho, parece-me que este registo vem movido por uma certa urgência pessoal. Até porque, de alguma forma, recupera o trabalho que fizeste anteriormente. Concordas?

Eu, até agora, só fiz os filmes que eu precisava fazer. Consigo entender que é possível, como cineasta, você envolver-se com um projeto que você não necessariamente precisa fazer. Talvez um projeto que lhe traga muito dinheiro, que seja um bom movimento profissional. Mas isso não aconteceu comigo (risos). E não quero que nunca aconteça. Se me envolver com um projeto comercial grande que seja algo que eu queira fazer. Sobre o Retratos Fantasmas, acho que basta você ver o filme, para perceber que ele não vem de nenhum projeto remotamente comercial. Foi um filme feito durante muitos anos. É um artesanato, na verdade.

Sem dúvida. Daí eu ter usado a expressão ‘urgência’. Pois parece-me que é daqueles filmes que nascem da necessidade de recuperar um lastro da memória, mas que ao mesmo tempo ocupa o seu próprio espaço e torna ainda mais compacto, mais sólido, o que para trás. Porque bem justificado pela dádiva que é o teu próprio cinema.

Eu acho que o tempo vai passando. E você vai fazendo trabalhos diferentes. Eu comecei fazendo vídeo nos anos 90, depois curta-metragem nos anos 2000, e, em 2010, comecei a fazer longas. E aí você vai-se encontrando, criando posições mais confortáveis para ficar. Quando eu fiz o Recife Frio(2009), ele era um filme narrado, um falso documentário, mas na narração, eu escrevi, mas não falei. Mas era como gostaria de ter falado. Já em Copa do Mundo no Recife (2015), que é uma curta de 14 minutos, feita para o Esporte TV, aí sim, foi quando eu me senti confortável a falar. E agora, Retratos Fantasmas veio muito natural. Inclusive nesse lugar onde eu estou falando com você…

Que é a tua sala de trabalho… No Recife que nós vemos no filme…

Sim, estou na minha casa, no escritório, que fica no primeiro andar. Foi aqui, depois das 23h, com as crianças já dormindo, com o microfone muito simples e atrelado ao meu telefone, eu gravei a voz do filme. Gravava à noite, baseado no que a montagem que tinha feito à noite me tinha pedido. Ele foi escrito aos poucos. Foi a montagem que pediu.

Ao ver o Retratos Fantasmas, e ao refletir sobre ele, dei-me conta da evolução dos filmes que que ias fazendo, quase um cinema artesanal, brincando com os géneros, como o terror, que me parece que se presta muito bem para testar os rudimentos do cinema. Fez-me lembrar até, peço desculpa pela comparação, o Fablemans do Spielberg.

É um belo filme. É um belo filme.

De certa forma, tal como o do Spielberg, acho que Retratos Fantasmas, parte da mesma necessidade, dessa reflexão do que foi feito…

Sim, porque o Fablemans é um filme sobre a origem de alguém que sempre se sentiu à vontade com uma câmara. Acontece que é feito por um diretor que tem um trabalho fenomenalmente bem sucedido. É um filme que eu gosto. Em certa medida, são linhas paralelas. Eu vi o Fabelmans em Dezembro, mas o projeto de Retratos Fantasmas já existia há muito tempo.

Retratos Fantasmas é um documentário dividido em três partes, salvo erro. Tinhas a noção de que era essa a estrutura? Ou foi algo filmado pela conjugação dos elementos que tinhas para montar? Pois este é um filme de montagem, de arquivo…

Existiam ideias que eu queria desenvolver na minha cabeça. E também tinha a realidade da montagem. Só que acontecem coisas que me trazem informações e sentimentos novos. Quando comecei a fazer este filme, durante o processo filmagem, e na montagem, por volta de 2016, nós percebemos que iríamos deixar a nossa casa antiga. E o processo de entender que eu deixaria aquela casa começou a impactar nesse filme que eu estava fazendo. Exatamente pelo facto da casa ser um espaço físico arquitetónico. Uma casa que eu filmei muito. E de maneiras muito distintas ao longo de 30 anos. Desde os 35 mm, de O Som ao Redor, mas também o cinema amador, com uma Betacam, com os meus amigos. A Mini DV, as fotografias. A chegada dos meus filhos também provocou uma nova tempestade de imagens dentro da casa. E aí eu entendi que o que estava fazendo no filme, que ainda não se chamava ainda Retratos Fantasmas, era muito parecido com o que eu poderia fazer com o apartamento. Quando você mostra a ponte da Boavista, em 1920, ou hoje, ou nos anos 90, 70, 40, é parecido com o que acontece na minha sala de estar. Aquilo que eu vejo em múltiplas decorações e arrumações de móveis. Então entendi que era o mesmo filme. Aí o aparamento me trouxe uma carga emotiva. Eu entendi que seria a primeira parte. Não sabia ainda quantas partes teria, mas essa seria, com certeza, a primeira parte.

E como se definiu o desenvolvimento das partes seguintes?

Em primeiro lugar, eu esgotei o meu próprio arquivo. A maior parte dele está ali atrás naquela prateleira (Kléber aponta com o dedo no ecrã exatamente na prateleira do móvel). Levou um tempo, na verdade, para visionar todos os materiais, todas as fitas VHS, Super 8, e mandar para os Estados Unidos para scanear muita coisa. E quando esgotei o meu arquivo fui atrás de mais arquivos, de famílias, de televisões, da Cinemateca, do Centro Técnico Audiovisual. Tentei alguma coisa na Pathé francesa. Achei outras coisas. Só que quando você procura uma coisa, acho a outra também. E aí você já começa a pensar talvez num outro filme…

Porque é também o próprio filme que nos dá essas pistas, não é?

Maravilhoso isso. Nas televisões locais eu encontrei muita coisa, muitas imagens para um filme que eu sempre quis fazer, mas nunca fiz nada para fazer esse filme. Agora, por acidente, achei material para fazer esse filme. Encontrei muito material para esse filme, o meu próximo filme. Então, os arquivos foram ditando. Por exemplo, tem um momento no filme, não sei se você se lembra: é um acontecimento algo trágico, na cidade, em vídeo, bem anos 80. Eu gostei muito da forma como aquelas imagens foram feitas pelo cinegrafista da época. Eu e o meu amigo Cleodon (Pedro Coelho) estávamos trabalhando na pesquisa e mostrou-me esse material sabendo que eu talvez ia achar interessante.

Foto de João Carlos Lacerda.

Qual é exatamente essa cena?

É o momento, no centro da cidade, que tem polícia e uma multidão. E, finalmente, você vê uma mancha de sangue no chão, na calçada de pedras portuguesas. Eu não explico. Eu sei o que aconteceu, mas passa como algo muito forte e estranho ao mesmo tempo. É o que você sente muitas vezes quando você está na cidade e vê algo trágico. Mas também você não quer saber, não quer fazer perguntas. E vai embora. É um pouco essa sensação. Então esses materiais foram construindo o filme. Às vezes a cada dia, às vezes a cada mês. Às vezes a cada semana… (risos). Mas é um trabalho fascinante.

Gosto muito de toda aquela evocação da memória das salas de cinema. E parece até que passa por lá aquela pontinha de ficção que pode até ser o rastilho de cada filme.

É. Eu ainda tive a sorte de pegar muito essa experiência, em que você sai de uma sala de cinema, depois você passar 2 horas, sei lá, com um filme e a música na cabeça de um John Williams, um Nino Rota, ou um Jerry Goldsmith. De repente, aquelas portas laterais abrem-se e você sai para a calçada de pedras portuguesas, sente o odor da maré, do mijo, aquele som da cidade… Aí você está no limite da realidade. Acho que aquela sequência final veio daí. E foi filmada com o realismo de um homem que pega um Uber, entra no carro…

Mas essa é a génese do cinema, não é?

Sim, mas ela é até filmada com uma certa técnica do cinema clássico americano. E o som é também muito som de filme. Aos poucos essa sequência vai ficando mais absurda. Aí ela decola e o filme acaba. Eu gosto daquela sequência.

Tenho a sensação que, dentro de Retratos Fantasmas se percebe um pouco melhor os filamentos que prolongaram o teu cinema. Desde O Som ao Redor, um filme que está ali tão próximo. Mas também o Aquarius. Aliás, falaste em 2016, o Aquarius não é, mais ou menos, dessa altura?

Ele foi lançado em 2016.

Exatamente. Eu acho que tem muita ver. Pois, no fundo, a tua casa, é, de certa forma, a casa da personagem da Sonia Braga. Ou não é? 

É. Porque os filmes, eles têm muitas trocas entre eles. As trocas, geralmente, elas são íntimas, secretas. E tem muita coisa que o realizador, o autor, não precisa falar. Às vezes, um filme existe até para fazer essas trocas. Não é que eu esteja a fazer um making off de mim mesmo. Quando você olha esta casa percebe o que ela fez comigo. Nem é a minha casa, é a casa do vizinho. Mas a presença dela trouxe uma energia e várias questões. E essas questões acabaram por ser transformadas em histórias que foram parar aos filmes. Então, é muito curioso que a casa caiu num tipo de abandono. E quando isso acontece, a natureza toma conta. E depois temos a praga dos cupins, que acho que deram de uma mangueira debaixo da casa ou de um terreno da casa. Aí os cupins passam para o nosso prédio. E os cupins assim terminaram sendo usados em Aquarius. Tal como a ideia do cão a ladrar que foi parar a O Som ao Redor. Então são questões interessantes. O cachorro daquela casa do lado morre, mas ele está vivo, porque O Som ao Redor passa na televisão, em rede nacional, e os vizinhos estão todos vendo o filme. O filme que foi feito na casa do vizinho. Então é tudo muito estranho. Uma sopa muito deliciosa, eu acho. Que dá para você parar e pensar.

Eu acho muito interessante tudo aquilo que os filmes nos dão. E aquilo que passa a ser a nossa visão depois que o filme passa para o nosso lado. Vem isto a propósito da primeira vez que vi o Aquarius, naquela sessão em, Cannes. Com aquela música inicial, aquelas fotografias e preto e branco. Foi talvez um início de filme mais emotivo de que me lembro. Em que não contive a torrente de emoção. Como se aquela memória passasse de alguma forma a ser também a minha.

Ah, que bom ouvir isso. Eu também acho é muito forte, não sei porquê. É. Isso está de volta nesse filme, embora noutro formato. A sequência toda do tema musical O meu sangue ferve por você (Sidney Magal) é muito parecida em termos de ideia. Só que ali a imagem é feita com uma câmara extremamente sofisticada. É uma imagem de cinema, contemporânea. Mas ao mesmo tempo os prédios fotografam a época. Parece que você está nos anos 50, de uma certa forma. E depois tem essa música. Eu gosto daquela sequência.

Neste filme nós estamos a falar no cinema, do artefacto quase. Isto numa altura em que temos um cinema feito de uma outra maneira, sobretudo com a entrada do digital. Um momento particular em que estamos numa transição que é muito mais do que uma transição. Já não há projecionista no sentido que existia antes e uma forma de uma fazer o cinema que não existe mais. Que tipo de emoção te provoca isso?

Eu acho que é um grande momento, na verdade. Mas é cheio de armadilhas. Eu acho que as possibilidades são tantas. Isso para mim é muito bom, mas acho que tem muito ‘ouro de tolos’. Esse filme, por exemplo, foi todo feito a partir de tecnologias totalmente disponíveis. A maior parte gratuita. Eu pude scanear negativos que transformei em imagens de alta resolução. Aos poucos, foi trabalhado pelo montador Mateus Farias. Eu ia para casa dele de bicicleta levando as imagens num pen driver. É um momento muito interessante pensar no que seria fazer esse filme nos anos 70, por exemplo. Pois teria de ser numa cidade com um laboratório de imagem – que nem é o caso de Recife – equipado com tudo aquilo que seria necessário. Seria extremamente difícil e complicado. Hoje um filme destes pode ser feito com muita leveza. Ainda por cima passamos pela pandemia que desprogramou alguma coisa, no sentido do que significa ir ao cinema. Isto ao ponto que tecnologia chegou. Ora, eu até tenho na minha sala, tecnologia superior à de algumas salas de cinema. O que é bom também. Posso ficar em casa. Às vezes até é bom também ficar em casa. Mas, muitas vezes, escolho não ficar em casa ir ver um filme no cinema. É complexo o que está acontecendo hoje, mas, no geral, as amarras para você se expressar foram tiradas. A questão é o talento. Nós temos tudo, mas ainda precisamos de expressão e não existe receita para isso. Por exemplo, a I.A. que as pessoas estão falando pode ser interessante – ou talvez horrível – como qualquer coisa.

Além da tua atividade como cineasta, recordo também a atitude de crítico, a comentar o filme que os outros se viram ou vão ver. Aliás recordo-me de termos feito algumas entrevistas juntos. Teria sido o Pedro Costa, em Cannes?

Ah, sim, sim. Pode ter sido com o Pedro Costa, pode ter sido com o Richard Linklater talvez… Ou outros realizadores americanos que não me lembro.

Sentes que esse lado crítico, de julgar o trabalho dos outros, ajudou o trabalho do cinesta?

Eu não sei. Se ajudasse, de facto, nós teríamos sempre bons cineastas que vieram da crítica. Mas, em regra, isso não acontece. Existem bons cineastas que vieram da crítica. O Olivier Assayas, por exemplo. E muitos cineastas franceses: o Godard, o Truffaut, o Rohmer… É como perguntar se trabalhar numa livraria teria ajudado. Mas eu acho que também é possível ser um bom cineasta. O Paul Schrader, por exemplo, diz que se interessou pelo cinema aos 18 anos. E ele é um cineasta, um roteirista, muito poderoso, muito interessante. Mas acho que não existe uma regra. No meu caso, eu sempre tive uma fome muito grande de ver filmes. Entre os meus 10 e 40 anos. Acho que passei até por um processo cronometrado de quase burnout. Foi exatamente aí que entrei na pré-produção de O Som ao Redor. Mas quando entrei na pré-produção já não aguentava mais o trabalho. Não sei, psicologicamente, eu já estava me soltando para passar de uma coisa para outra. Eu escrevi muito e vi muito filme durante muito tempo e isso me cansou. Já não tinha mais energia para ser aquela máquina de opinião. As pessoas ligavam-me dentro do multiplex para me perguntar o que deveriam ver (risos). Ou então diziam, ‘ainda bem que você escreveu isso, assim vou economizar o meu dinheiro e não vou ver o filme’… Mas eu nunca falei isso: ‘Fica em casa, não vê esse filme!’. Mas, enfim, acho que aconteceu num momento certo eu sair da crítica e entrar na realização.

E lembras-te ainda do momento em que o cinema passou a ser uma possibilidade, ou uma certeza, de mais do que uma mera brincadeira?

Eu acho que eu sempre levei a sério o cinema. Ao ponto de uma vez, uma professora e numa outra vez, o pai de um amigo, dizer que isso era uma brincadeira: ‘você precisa se direcionar’. Eu lembro-me que a minha mãe não gostou nada. Foi até na escola falar com o professor porque falou isso para o filho dela. Mas eu sempre levei o cinema a sério. Claro que há 35 anos atrás, na era pré-internet, pré-digital, as distâncias eram muito maiores. A tecnologia era quase inexistente. A ideia de fazer cinema do Brasil era muito distante. E no Nordeste ainda mais. Hoje, eu e uma geração de cineastas de Pernambuco, fazemos filmes que viajam, que são vistos internacionalmente. E no Brasil todo. Nós temos uma voz, há já pelo menos 25 anos. Mas que não tinhamos antes. E uma voz de cinema até bastante peculiar.

Um pouco como o cinema português, que é também muito pessoal…

Sim, eu vejo isso no cinema português. Tem uma visão muito peculiar. Pelo menos o cinema português que pelo qual eu me interesso mais. Eu não conheço realmente o cinema português comercial, mas os autores, como Manoel de Oliveira a Miguel Gomes, ao João Pedro (Rodrigues), ao João Rui (Guerra da Mata). O cinema português que eu acompanho, ele é muito peculiar. É muito diferente do francês, do britânico. Ele tem um ponto de vista, uma coisa peculiar. Algo que o cinema de Pernambuco também tem. Não significa que os filmes sejam iguais, ou parecidos. São bem diferentes. Mas é peculiar. Eu nunca, nesses anos todos, eu nunca vi, em seminários, em editais – às vezes eu faço muito para ajudar as pessoas -, mas eu nunca vi, Paulo, nenhum projeto, nem de uma curta-metragem, em Pernambuco, que fosse uma proposta de uma comédia romântica. No Rio de Janeiro você vê isso. Aqui nunca ninguém quis fazer isso. Isso é muito esquisito. Mas acho que também quer dizer alguma coisa.

O Brasil tem passado por fases diferentes e, muitas vezes, até com uma expressão diversa dos diferentes estados. Mas também afetada pelo constante apoio que existe ao cinema – ou não existe. Vieram até agora de um período particularmente difícil, ainda assim algo positivo. O que é que a comunidade do cinema espera nesta altura com o regresso do Lula em relação ao cinema?

Eu trabalho com cultura há muitos anos. E eu entendi desde os anos 90 que a cultura faz parte das ferramentas de um bom governo, de uma boa nação. No sentido de que a cultura precisa de incentivo, tem que ser acompanhada para que continue a existir, também como preservação. Então isso para mim já faz parte do meu corpo. Como eu acredito que a educação é um dever de estado, tal como a saúde é uma política de estado. E esse é o Brasil no qual eu acredito. E é o Brasil que, inclusive, está na constituição. Quando chega um governo de extrema-direita e começa a ignorar – porque eles não tentaram destruir, eles não tinham como, do ponto de vista legal – então partiram só para sabotar. O caso mais dramático é o que que aconteceu durante a pandemia. Algo que é um marco histórico no planeta. E você tem um grupo de homens que decide ignorar a pandemia. Ignorar os avanços de ciência, ignorar médicos e especialistas.

Com as consequências teve, não é?

Esse é o exemplo mais dramático. Imagina ignorar a cultura. Ignorar que existem editais, que existem 300.000 pessoas que trabalham com a cultura e que fazem parte da economia. Então agora com o governo Lula as coisas voltam ao normal. O governo Lula está fazendo muito bem, que é voltar ao normal. E acrescentando mais coisas. Então o que está acontecendo é uma prova de cidadania. Realçada pelo desastre dos últimos 7 anos. Porque Temer – isso não pode ser esquecido –foi o início desse de desrespeito. Bolsonaro foi apenas a continuação de algo igualmente ruim.

Para terminar, falaste do filme que estás a desenvolver. Fico muito curioso O que é que podemos saber?

Eu tenho roteiro pronto já, que nós vamos filmar em 2024, com o Wagner Moura. E que se chama Agente Secreto. É um filme que se passa, em 1977, no Brasil, no Recife. Gosto muito do roteiro. Mas estou muito feliz com o Retratos Fantasmas. Agora vou trabalhar ainda para lançar em vários países. Mas depois já saio direto para o Agente Secreto, que é um filme que, na sua própria pesquisa, me mostrou muitas coisas do Retratos Fantasmas. E na pesquisa do Retratos Fantasmas aprendi muita coisa para escrita do Agente Secreto. Então, mais uma vez, essas conexões que eu falei antes, e que, durante um tempo, permaneceram secretas e íntimas. Mas ao poucos elas serão reveladas. Eu acho.

(entrevista inicialmente publicada em comunidadedeculturaearte.com)

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