O cinema da brasileira Carolina Markowicz tem merecido um percurso fulgurante. Depois de um conjunto de curtas metragens muito consistente, conhecemos Carvão, o seu primeiro filme de longo formato, já este ano no festival Cinelatino, em Toulouse. Um choque frontal que acabou recompensado com o prémio FIPRESCI da crítica internacional. Mas seis meses mais tarde, eis que se dá um novo encontro fulgurante, desta feita, com Pedágio, em San Sebastian, já depois da consagração em Toronto, Locarno e com uma carreira festivaleira prolongada no Brasil, não só pelo festival do Rio onde o trio de atores foi premiado (Maeve Jinkings, Kauã Alvarenga e Aline Marta), mas também pela Mostra de São Paulo. Pelo meio, um registo muito realista, em que a cineasta mas ao mesmo tempo muito complexo, das franjas do Brasil.
“Na verdade, estes dois filmes estão sendo desenvolvidos há muito tempo, Carvão há cerca de 10 anos e Pedágio há cinco”, diz a realizadora paulista de 40 anos. “Embora exista aqui um acerto e muitas mudanças. Mas em determinado momento eu ia filmar o Pedágio, pois o dinheiro foi levantado antes. Só que como veio a pandemia e esses filmes inverteram-se de novo”. É claro que durante esse tempo muita coisa aconteceu, do ponto de vista político, social, comportamental. Algo que o filme e o guião foi absorvendo. “No entanto, há essas questões de contração humana, de elasticidade moral que me vão perseguindo”, refere a cineasta.
Desde logo, o desenho da personagem feminina, sempre contraditória – tal como em Carvão, “com muitas camadas, mas com integridade”. Sim, concorda a atriz Maeve Jinkings, cuja presença já dominava em Carvão. No fundo, “há várias camadas entre as duas personagens. No caso de Pedágio foram muito próprias do lugar onde estávamos filmando. No interior do estrado de São Paulo, na área rural. Observação de mulheres que vivem aquele ambiente”, refere.
Neste caso, uma mãe que tenta forçar o filho a inverter a sua tendência gay. Ele que se promove de forma muito ativa nas redes sociais com vídeos musicais que vai gravando. Ele é Kauã Alvarenga, uma força da natureza, com apenas 19 anos, que vive a liberdade de expressão sexual da sua geração. “Hoje em diz a geração LGBT está muito bem representada”, confessa-nos com à vontade. “A comunidade LGBT da minha época acho está muito mais foda. Temos deputados transsexuais, em que eu me revejo completamente. Muito mais, em alguns aspetos do que as gerações passadas”.
Justamente é alvo da intervenção ‘curadora’ de um profissional ‘estrangeiro’ capaz de mudar a consciência sexual através de uma punção de resinificação energética. Um papel que Isac Graça assume com a devida inteligência. Ele que nos refere que aquilo que “a Carol não queria era o cliché do pastor evangélico”. Foi depois da realizadora sugerir o filme Canino, do grego Yorgos Lanthimos, que o ator de Alverca afinou o seu registo, inspirando-se “em políticos populistas, vendedores da banha da cobra, oradores em Ted Talks. No fundo, um melting pot do populismo”.