Domingo, Abril 20, 2025
Início Site Página 138

Joshua Oppenheimer: “Foram os Estados Unidos que encorajaram Suharto para invadir Timor”

Realizador de Ato de Matar

Durante 3 anos, o realizador americano filmou dezenas de membros dos ‘esquadrões da morte’ responsáveis pelo genocídio na Indonésia entre 1965-66. O documentário ganhou dezenas de prémios internacionais, incluindo o Globo de Ouro e foi nomeado ao Óscar.

Qual a origem deste projeto tão longo quanto ambicioso?

Na verdade, este tornou-se possível depois de entrar em contacto com sobreviventes do genocídio de 1965-66. Havíamos feito juntos um filme em 2001 chamado ‘The Globalization Tapes‘, com um grupo de plantadores na Sumatra que documentavam a sua luta para organizar um sindicato multinacional.

E o que se passava exatamente nessas plantações?

Eles espalhavam um herbicida sem qualquer proteção e acabavam por ficar sujeitos ao veneno. Muitos deles morriam na floresta.

Por isso fizeram o sindicato…

Eles precisavam mesmo desse sindicado, mas tinham receio de o organizar porque os responsáveis ainda estavam no poder. Os seus pais e avós tinham formado um sindicato forte até 1965. E foram mortos por isso. Receavam que isso voltasse a acontecer. Depois de fazermos esse filme concordamos em explorar a razão desse medo. No fundo, o que significava viver com as várias posições de poder em seu redor.

E onde eram essas plantações?

Em Medan, no norte da Sumatra, onde fizemos ‘O Ato de Matar’. Logo a seguir regressei, em 2003, para fazer esse filme com os sobreviventes. Como se espalhou o rumor de que estaríamos interessado sem reportar o que acontecera em 1965 e os militares já não deixariam os sobreviventes participarem.

Qual é exatamente a postura dos militares?

O exército está estacionado em todas as pequenas cidades na Indonésia. Muitos deles estavam sob vigilância. No entanto, os sobreviventes encorajaram-me a não desistir. Até porque muitos dos dirigentes dos anteriores esquadrões da morte continuavam a deter posições de poder. E estariam na disposição de relatar como os seus entes queridos morreram.

Os próprios criminosos?

Exatamente. Mas não sabíamos se seria seguro abordar esses indivíduos. Chegamos até eles de uma forma muito cautelosa. Mas ficamos espantados como todos eles estavam abertos a relatar as suas façanhas. E desejosos de contar o que haviam feito.

Até mesmo com algum orgulho e desplante, como vemos no seu filme…

Exato. Com desplante. E a contarem os detalhes mais macabros. Muitas vezes com um sorriso nos lábios. Contariam essas histórias diante das suas mulheres e filhas, até mesmo nas duas netas…

O que não se percebe é toda essa impunidade. Como explica isso?

É fácil. Mas é isso mesmo, a impunidade. Eles iam ao cúmulo de me convidarem a mostrar-lhes o local onde haviam feito esses massacres. Eu fui com eles e ali mesmo fizeram demonstrações espontâneas de como haviam matado estas pessoas.

E na altura não existiam organizações humanitárias em redor para denunciar essas práticas?

Por acaso existiam várias organizações humanitárias no norte da Sumatra. Sendo que uma delas era liderada por um dos cabecilhas dos esquadrões da morte. Há uma cena que ficou para os extras do DVD – espero que esteja incluída na versão portuguesa – com um editor de jornal que se gabava de dar o comando para as execuções. E quando lhe perguntei se ele tinha morto alguém com as suas próprias mãos, ao que ele diz: “eu nunca poderia matar ninguém com as minhas próprias mãos; eu sou um inteletual, sou um poeta. Eu era o diretor do Festival de Cinema da Indonésia”.

A sério?!

Sim, isso é verdade. Ele era produtor, argumentista e editor de jornais. “Eu acredito no humanismo universal”. Ao que lhe perguntei o que significava para ele “humanismo universal”. E a resposta dele foi: “humanismo universal significa Direitos Humanos. E, se não me engano”, dizia ele, “estou à frente da maior organização de direitos humanos da Sumatra”. E está mesmo.

Ou seja, um conceito inteiramente novo de Direitos Humanos…

Sim, totalmente hipócrita. Este é um sintoma de total impunidade. Algo que eu nunca tinha visto. Ainda por cima com o contraste de sobreviventes que não podia falar e autores desses massacres que gozavam desta impunidade. Neste contraste parece que tinha chegado à Alemanha 40 anos depois do Holocausto e descobrir que os nazis ainda estavam no poder.

É aterrador. E como foi que decidiu partir para esse projeto?

Mostrei esse material aos sobreviventes que se mostraram interessados, bem como à comunidade dos direitos humanos da Indonésia. E todos me incentivaram para continuar. Isto porque todos os indonésios que vierem estas imagens terão de reconhecer o que foi feito. Foi assim que o filme chegou à Indonésia.

Quando tempo decorreu desde que começou a recolher esses depoimentos?

Durante 2003 a 2005 filmei todos os autores de massacres que pude encontrar no norte de Sumatra.

Sofreu algum tipo de impedimentos?

Nem por isso. O próprio exército que sabia o que estávamos a fazer não se atreveu a envolver-se e a dizer a estas pessoas que não poderiam ser filmadas. Por isso continuamos a filmar.

Como foi que chegou a esta incrível personagem do Anwar que acaba por ser o grande protagonista do seu filme?

O Anwar foi o 41ª autor de massacres que conheci e acabei por me juntar mais a ele. Em parte porque a dor dele estava mais à superfície. Quando ele dança no telhado de uma casa, logo no início do filme, depois de encenar como executava as suas vítimas, acho que é um dos símbolos mais grotescos de imunidade que já vi. Mas ele também diz que consegue dançar porque toma drogas para esquecer o que fez.

Acha que está arrependido?

Não sei, mas a consciência do que fez está lá. Pelo menos sabe que tem esse sentimento de culpa. Diz que tem pesadelos e acorda aos gritos. Mas essa cena da dança foi logo no primeiro dia em que me encontrei com ele.

Chegou a apurar quantas pessoas terá ele morto com as suas próprias mãos?

Talvez um milhar. Isto porque os números que ele me deu referia uns 5000. Achei por bem dividir esse número por cinco.

Uma das cenas mais perturbantes do seu documentário será quando ele demonstra como executava as suas vítimas enrolando um cabo ao pescoço delas e puxando com vigor. E com todos os pormenores! Quase como se estivesse a reviver a cena com um sorriso nos lábios. Parecia existir ali uma espécie de êxtase…

Veja bem, por um lado o Ato de Matar é um ato humano; por outro é sempre algo traumático. As outras espécies animais são capazes de matar sem ressentimento, mas julgo que os humanos não escapam a algum traumatismo.

Sim, calculo que para qualquer ser humano.

É um pouco como os pilotos de drones, que pensam num videojogo quando matam as suas vítimas. O próprio Barack Obama terá um discurso justificado quando decide quem será morto por um ataque de drones. Pelo menos para se distanciar do Ato de Matar. Para Obama o Ato de Matar será uma espécie de filosofia, muito superior a homicídio. Mas no caso de Anwar, ele disse que dançava depois de sair do cinema, depois de ver um filme do Elvis Presley. Ele dançava ao atravessar a rua para depois poder matar com alegria. Para ele, o lado de encenação fazia parte do Ato de Matar. E acho mesmo que no Ato de Matar existirá mesmo esse êxtase profundo de que falava. É como ter um incrível poder divino de poder tirar a vida a outro ser humano.

Como reagiu ele quando lhe mostrou o que filmara?

Na verdade  ficou bastante perturbado. Mas não disse que era algo horrível. Apenas referiu que não gostou das roupas, que o chapéu era uma escolha errada, que deveria ter pintado o cabelo.

Como foi que encenaram todo esse processo em que simulam as execuções que de facto ocorreram?

Foi um processo em que filmávamos e víamos logo o resultado. E aí eu percebi que ele tentava fugir à dor. E se tiver ocasião de ver a versão longa, que está aqui contemplada nos Prémios do Cinema Europeu, verá esse processo cinematográfico desenrolar-se com maior detalhe.

Acha que essa reação era uma forma de expurgar a sua culpa?

Talvez. Acho que sim. Talvez não seja absurdo que essas cenas de ficção se tornem cada vez mais absurdas e grotescas. Eu filmo-os dentro de um sintoma de impunidade.

Ao ver o filme pela primeira vez não pude deixar de recordar como o povo de Timor Leste sofreu também um massacre semelhante com a ocupação indonésia. Existirá aqui alguma ligação?

Bom, em 1965, o exército tomou o poder na Indonésia, instaurando uma espécie de regime fascista militar. Em 1975, dez anos depois, invadem Timor Leste e basicamente fazem o mesmo que fizeram na Sumatra.

Pelo menos a polícia militar era a mesma, a Pancasila…

Sim, a mesma polícia de Suharto. Curiosamente, foram os Estados Unidos que encorajaram Suharto para invadir Timor Leste. Kissinger e Gerald Ford terão visitado a Indonésia pouco antes da invasão e encorajado Suharto para avançar com a invasão. Apenas disseram para esperar que eles partissem… Se não estou em erro, no dia seguinte começou a invasão. Por isso, estou curioso para perceber como o filme poderá ser encarado em Portugal. Até devido à ditadura de Salazar.

Sim, essa é uma sombra na sociedade portuguesa, ainda que não com essa extensão.

As atrocidades de Salazar poderão não ser tão impressionantes como as de Suharto, mas mesmo assim fez parte do movimento fascista internacional que se vivia na altura, entre os anos 30 e 40.

Obviamente, este é um filme que tem ganho um impacto muito profundo, com os Prémios do Cinema Europeu, os Óscares e claro inúmeros prémios pelos festivais internacionais em que tem sido exibido. Quando estava a fazer o filme, conseguia aperceber-se do tremendo impacto que iria ter no público?

Nunca imaginei o impacto que o filme está a receber. Nem sequer na Indonésia, onde o filme está a mudar a forma como as pessoas falam do seu passado.

E de que forma o mudou a si, como realizador e ser humano?

(pausa)… Esta foi a experiência mais marcante em toda a minha vida. E passei sete anos e meio a fazer ‘O Ato de Matar’. Acho que me modificou de forma que provavelmente passarei o resto a minha vida a perceber. É claro que montar o filme e estreá-lo tem sido parte desse trabalho. Mas no fundo acho que me tornou mais cauteloso na hora de julgar seja quem for. Não quero dizer que sou contra a justiça. Precisamos de justiça. Mas a justiça é um ritual porque as sociedades passam para compreender certos rituais de comportamento até ao reino do proibido. Até chegar ao ponto de dizer que esta pessoa fez coisas monstruosas, mas será esta pessoa um monstro?

É difícil não o considerar. E é preciso alguma coragem. Sobretudo quem vive nessa sociedade.

Desde logo para mostrarmos que não somos como eles. Quem me diz que se tivesse tido nos anos 50 na Indonésia não teria tido as mesmas decisões que ele tomou em 1965? Mas tenho muita sorte por não ter de saber isso. Mas se ele é um monstro – se é que é um monstro – eu dependo de monstros como ele para me vestir, encher o tanque de gasolina. Tudo o que compramos chega-nos do mundo global. Daquelas pessoas que trabalhavam nas plantações. Pessoas que continuam com medo por viverem em países que em que existe uma massiva violência política; onde os autores de crimes venceram, criaram regimes de medo em que não têm sequer o custo humano daquilo que compramos.

E que morrem a produzir óleo de palma…

Óleo de palma que se vende a alguns cêntimos o barril, ao passo que a eles lhes custou a vida a produzi-lo. As vidas deles não estão incluídas no preço de venda do óleo de palma. É muitíssimo custoso fazer óleo de palma, apesar de custar apenas alguns cêntimos. E nesses cêntimos vai parte para Anwar e homens como ele, gangsters, assassinos que mantém as pessoas com medo. Por isso, este filme não é uma realidade distante. Apesar do glamour dos festivais em que o filme é exibido, mostra na verdade do outro lado, o seu oposto.

Acha que este filme pode vir a ser considerado uma referência em termos de direitos humanos?

Este é um filme que grita por justiça. O material que filmei – cerca de uma centena de horas – é o maior arquivo que existe sobre essa matança. Foi recentemente publicado um relatório de 800 páginas denunciando esse genocídio, exigindo uma desculpa formal, algo que até agora o governo tem ignorado. Nós temos feito um arquivo sobre esse material sobre os direitos humanos, de forma a que possa servir de provas.

Só para terminar: até que ponto este material estará na base de algo que queira vir a fazer?

Irá servir de duas formas: estou agora a terminar um filme sobre uma família de sobreviventes que soube quem matou o seu filho, um dos 40 primeiros autores que filmei. Terá o título não confirmado de ‘The Look of Silence’ e deverá estrear o ano que vem. O filme mais novo, nascido depois da matança quer saber o que aconteceu e envolver toda a gente que esteve relacionada com a morte do irmão.

Já está filmado?

Sim, estou na derradeira parte da montagem. Este é um método que quero usar quando regressar aos Estados Unidos. E talvez fazer algo não relacionado com genocídio, mas com as fantasias que escondem a realidade mais dolorosa. Quero usar esse método nesse projeto.

– See more at: http://www.c7nema.net/entrevista/item/41418-entrevista-a-joshua-oppenheimer-o-realizador-de-ato-de-matar.html#sthash.tJ4GA6M9.DNCAstLt.dpuf

Wagner Moura: “Não voltarei a ser o Capitão Nascimento”

Tropa de Elite 2

Quando foi que começaram a falar na sequela para ‘Tropa de Elite’? Foi logo a seguir?
Nada disso. Nem mesmo depois de ganharmos o Urso de Ouro aqui em Berlim. Só em 2009 é que o José (Padilha, o realizador) tomou a decisão de rodar ‘Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro’. Mas quando perguntou se eu queria participar, eu concordei logo.

Acha que foi um filme a pensar retomar o sucesso anterior?

Não acredito. Ele é um documentarista. Ele gosta de abordar temas reais: ele tem um filme sobre a fome (‘Garapa’, 2009) e três sobre a violência (‘Ônibus 174’, 2002, e os dois ‘Tropa de Elite’ (2007 e 2010). Respeito muito o trabalho dele e nunca pensei que quisesse aproveitar esse lado.

Falaram como seria a evolução do Capitão Nascimento?
Sim, eu estava um pouco preocupado como iria aparecer, porque estranhamente, no primeiro filme, fui um pouco encarado como um herói no Brasil. Mas ele é agora mais atento ao que se passa.

Como é que o Wagner vê o Capitão Nascimento?
Para mim, ele é uma personagem de uma tragédia Grega. Alguém que caminha muito rápido e de uma forma trágica em ambos os filmes. A diferença é que agora percebe que passou toda a vida a lutar por uma causa perdida. Ele é uma marioneta, mas vê quem são os bonecreiros.

Acha que se trata de um filme mais optimista?
Sim, acho.

A sério?
No sentido que é um filme com mais esperança. O final aponta nesse sentido.

Poderá o arco desta personagem dar origem a uma trilogia?
Para mim, esta possibilidade não existe. Não seu o que ele pensa, mas se fizer outro filme, não eu não serei o Capitão Nascimento.

O Wagner participou na produção do filme. Foi a primeira vez?
Em cinema sim.

E gostou?
Gostei sim. Acho que é algo que os actores deveriam fazer. Interessa-me muito todos os processos de fazer um filme. E também quero ter parte nas receitas de bilheteira.

Neste caso deve ter sido bom, porque o filme foi um enorme sucesso no Brasil…
Sim, foi óptimo. É o filme mais visto de sempre na América do Sul. Mais do que o ‘Avatar’.

Paulo Portugal, em Berlim
Entrevista publicada no CM

Jeff Bridges comenta nomeação ao Óscar:

“Estou descontraído porque sei que não vou ganhar”

O Jeff foi nomeado a primeira vez ao Óscar (‘Last Picture Show’) quando tinha vinte e poucos anos. Como compara com esta vez?

Agora é uma campanha muito diferente. O marketing faz tudo. Ainda bem que é com ‘Indomavel’, um filme que gosto muito.

Já pensou no seu discurso de agradecimento?
Não porque acho que nao vou ganhar…

É verdade que a Hailee Steinfeld (actriz de 14 anos também nomeada para um Óscar) cobrava uma multa por cada palavrão que diziam no set?
(Risos) É verdade, mas eu não queria ser mal interpretado ao passar-lhe 50 dólares para as mãos. Mas é verdade, devo-lhe algum dinheiro…

Aborrece-o que continue a ser mais conhecido por o ‘Dude’, a personagem de ‘O Grande Lebowski’, um outro filme também dos Coen?
Como gosto tanto do filme que acabo por me divertir também. E sabe que existe mesmo um Lebowski Fest, onde as pessoas se mascaram como as personagens do filme? É alucinante… Quando sou convidado levo a minha banda e toco para um mar de ‘Dudes’.

O que os fascina mais ao trabalhar com os Coen?
Eles são provavelmente os meus realizadores favoritos. São mestres naquilo que fazem. Para eles tudo parece fácil.

Quando aceitou este projecto estava decidido a fazer um papel bem diferente do que John Wayne fez com a mesma personagem em 1969? Sentiu-se intimidado?
Um pouco, mas os Coen disseram desde o inicio que esse a única referencia seria o romance.

O Jeff é realmente um homem de vários talentos, por isso eu pergunto. Como é o Jeff Bridges em casa? É também um bom pai?
Tento ser o melhor pai possível. Por acaso em ‘Indomável’ tive a felicidade ter a minha filha do meio, Jacey, como assistente. Esteve comigo todo o tempo. Pudemos tocar juntos. Foi óptimo. Para mim trabalhar e brincar é muito parecido. Por isso gosto de ter projectos que os envolvam a eles.

Como é que os seus filhos encaram o seu trabalho? É com admiração ou também com critica?
São meus filhos, por isso recebo mais elogios.

Tanto este papel como o que interpretou em ‘Crazy Heart’, que lhe deu um Óscar, sao personagens um pouco na margem da sociedade. É algo que aprecia representar?
Acho que sim, da-me bastante prazer.

Sei que está também a trabalhar no seu novo disco?
Sim! Com o T-Bone. Vamos gravar este ano.

É difícil para si o equilíbrio de tudo isso? Porque sei que também é fotografo…
Sim e não. Quando começo a aquecer o meu lado criativo, acho que todo o meu ser responde. São afinal todos aspectos diferentes

Paulo Portugal, em Berlim
Entrevista Publicada no Correio da Manhã

 

Mila Kunis: Dizem que sou parecida com a Angelina Jolie

 

Acha que poderia ter sido também o Cisne Branco neste filme?
Porque não?…
O que a levou a desejar participar neste projecto?
Eu queria trabalhar com o Darren e a Natalie. Achei que o guião era óptimo, diferente, por todas as razões óbvias.

E como foi trabalhar com a Natalie Portman?
Nós conhecemo-nos há alguns anos, por isso foi óptimo poder trabalhar com uma amiga. Ela é uma actriz tremenda.

A Mila tem algum ‘background’ como bailarina?
Não tive nenhum treino como bailarina. Treinei apenas dois meses antes de iniciar a produção e três meses durante. Portanto, cinco meses ao todo. Foi duro. Começou por ser sete dias por semana, cinco horas diárias. E tinha de estar muito magra. Até tiverem de tapar o meu peito.

Como encara a sua personagem?
O que gosto dela é que numa profissão que é muito competitiva, no final do dia ela regressa à sua vida normal. Respeito o facto de que ela não vive e respira ballet. Da mesma forma que eu não quero viver e respirar aquilo que faço.

Não acha que o cinema pode ser um meio igualmente competitivo? Tal como o ballet?
Acho que o mundo do ballet é muito mais competitivo que o do cinema. Porque literalmente se magoam para atingir os seus objectivos. Procuram atingir algo que é impossível – a perfeição. E é algo que começa muito cedo, aos quatro anos e pode durar vários a. O cinema é tudo mais efémero.

É verdade que também sofreu alguns ferimentos?
Todos nós tivemos alguns ferimentos… No meu caso, desloquei um ombro, fiquei com duas cicatrizes nas costas dos dedos do bailarino que me levantou durante seis horas….

Tem com a Natalie uma cena plena de erotismo. O facto de ser sua amiga tornou as coisas mais fáceis?
As cenas de sexo são sempre complicadas. E desconfortáveis. Seja com uma pessoa amiga ou inimiga. Não me importo de fazer uma cena de sexo, mas tem de ter um propósito. Numa comédia, como sucedeu em ‘Um Belo Par de… Patins’ foi divertido. Neste caso, é a primeira vez que faço uma cena de sexo que serve o propósito do filme e leva quase uma personagem ao limiar da destruição. Quase que esse lado tornou a cena mais fácil. Quase…

O que aprendeu desta experiência tão exigente do ponto de vista físico?
O que aprendi é que é possível fazer quase tudo. Eu nunca pensei que fosse capaz de fazer o que fiz. Apenas do ponto de vista físico. E isto até antes de começar a produção. Pretender que aos 26 anos somos bailarinas profissionais. Qualquer bailarina com essa idade já teria pelo menos 10-15 anos de prática.

Teve a oportunidade de encarnar a mesma personagem que Angelina Jolie em ‘Gia’. É realmente muito parecida com ela…
É verdade que dizem que sou parecida com ela, mas a verdade é que eu não o vejo. A verdade é que quando fizemos ‘Gia’ (1998), a Angelina Jolie não era ainda conhecida. Por isso ninguém me comparava com ela. Depois da puberdade começaram a fazer essa comparação.

Acha que a vontade de manter a vida privada em segredo é uma forma de equilíbrio?
Sem dúvida. Para mim, é uma forma de manter a sanidade. Acho que misturar esses mundos pode destruir uma vida.


Paulo Portugal, em Londres
Entrevista publicada no CM

54º LFF London Film Festival – Uma plataforma para os Óscares

Uma vez mais o LFF demonstrou que faz parte dos festivais de série A. Reúne o melhor do cinema dos principais festivais, apresenta inúmeras novidades e povoa as passadeiras vermelhas das vistosas Galas da Leicester Square de estrelas, inúmeras personalidades e um público ávido de ver bom cinema. Este ano, o festival abriu em glória com ‘Never Let Me Go’, uma evocação da adolescência a partir do romance de Kazuo Ishiguro, devidamente acompanhado das vedetas ‘brit’ Carey Mulligan e Keira Knightley, e encerrou com a pungente e arrebatadora prova de vida de ‘127 Horas’, do oscarizado Danny Boyle, com James Franco no papel do montanhista Aron Ralston forçado a privar-se do braço direito para libertar-se da rocha onde ficara preso durante cinco dias. O filme continua a provocar ondas de choque.

‘127 Hours‘, de Danny Boyle
Quem está habituado ao circuito dos principais festivais de cinema internacionais, sabe bem que para além de Cannes, Berlim, Veneza e Toronto, há que incluir também Londres no série A do circo festivaleiro. Pode nem ter sido sempre assim, mas as quase duas semanas de mostra de grande cinema do London Film Festival, já na sua 54ª edição, impõe-se com uma enorme montra do melhor cinema do mundo que chega à Europa. É precisamente esse o propósito da programação, sobretudo focada nos diversas salas dos cinemas Vue que dá corpo à importante secção Films On The Square. Foi aí possível ver, entre outros, a brilhante história de amor com a dupla Michelle Williams e Ryan Gossling, em ‘Blue Valentine’, de Derek Ciafrance, mas também ‘Archipelago’, de Joanna Hogg, o regresso de Takashi Miike ao género de samurai clássico, ainda que a manter o seu habitua tom sangrento, em ’13 Assassins’. Mas os exemplos imperdíveis são inúmeros: ‘Carancho’, de Pablo Trapero, ‘Film Socialism’, de Jean-Luc Godard, ‘Hartbeats’, do muito jovem Xavier Dolan, ‘Kaboom, de Gregg Araki, ‘Meeks Cutoff’, de Kelly Reichard ou o surpreendente ‘Submarine’, de outro jovem chamado Richard Ayoade de que valerá a pena reter o nome. Pode tornar-se fastidioso enumerar títulos, mas estes serão todos filmes para descobertas obrigatórias.
 
‘Blue Valentine’
, de Derek Ciafrance
As secções são igualmente variadas, com as escolhas inteligentes, diversificadas e acutilantes da directora artística Sandra Hebron e directora do LFF, Amanda Nevill, a dividiram-se ainda pelo novo cinema britânico, francês, europeu, cinema do mundo, experimental , clássicos, animação e curtas.

Trata-se mesmo de um caso sério de sucesso que esgota as diversas sessões, motivando muitas vezes q&a com o realizador. E tem inclusive, notas originais que os distinguem dos demais. É o caso dos ‘teas with the filmakers’, em que possibilitam encontros e momentos de descontracção com realizadores com valiosas trocas de informação. Como é habitual em vários festivais, a oportunidade de ter realizadores-chave a comentar a sua obra em ‘master classes’ é também uma aposta forte do festival em encurtar distancia entre o público e os autores. Este ano, Darren Aronofsky, Mark Romanek, Alejandro González Iñarritu, Peter Mullan e Oliver Assayas foram os convidados.

Pela segunda vez consecutiva aceitámos o convite do LFF e percebemos que a segunda quinzena de Outubro passa a ficar marcada pela montra londrina. Após Veneza e imediatamente antes do recente certame de Roma que insiste em marcar uma presença. É essa a nossa próxima paragem, antes do início do ano em Berlim.

Para breve, uma lista crítica do que de melhor passou em Londres. Quer tenha sido descoberto no LFF ou num outro festival anterior. Falhámos alguns, como ‘Archipelago’, ‘Aurora’ ou ‘Neds’, entre outros, que terão de ser recuperados num cinema (ou festival) perto de nós.

Paulo Portugal, em Londres

SHIA LABEOUF: O Futuro é dele

0

Ao seguir este dialogo imaginamos que será difícil não ficar contagiada com a energia que brota deste rapaz de 23 anos, destinado a fazer diferença do seu meio. Tal como nos sucedeu a nós. Com a agravante de escutar a sua linguagem rápida e observar o seu estado de permanente adrenalina. Não é por acaso que o comparam a Tom Cruise, Tom Hanks e outros grandes talentos. Mas apesar dos tenros 23 anos, Shia Labeouf denota um conhecimento cru da sua posição neste negocio. Porque é de um negocio que se trata, diz-nos ele. O filme não podia ser mais a propósito: Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme, de Oliver Stone. Sim, é o namorado de Carey Mulligan, por quem se apaixonou durante a rodagem deste filme. Mas nada de perguntas pessoais, para não quebrar o embargo antes assinado…

Incomoda-o que o seu nome seja tantas vezes mal escrito?
Não quero saber. Há muito nomes parecidos. Mas o meu apelido é mal interpretado porque a minha avó era uma lésbica poeta ‘beatnik’ nos anos 50 e andava com o Ginsberg. Isto porque ela não queria ser encarado como ‘gay’. Pois então ninguém leria o que escrevia. Ela andava com ela, mas a família dela não gostava nada. Ela que era descendente dos cajuns de Louisiana, que eram homofóbicos. Por isso decidiu mudar-se para Venice Beach e andar com estes poetas ‘beatniks’ e por isso mudou o seu apelido. É por isso que é um nome tão estranho.

Quando se dispôs a fazer este filme alguém o avisou do temperamento do Oliver Stone?
Eu não tinha medo do temperamento dele, apenas de não estar à altura. O que eu não queria era ser pior do que o (Martin) Sheen (de Wall Street, em 1987). Queria ser melhor do que ele. Tinha medo de olhar o (Josh) Brolin e de sentir que estava a derreter ou de olhar para o (Michael) Douglas e não estar à altura. É que para estes traders o que os salva é a confiança;  eles são hustlers. Vendem água a uma baleia, vendem-lhe a si algo que já tem por um preço que desconhece. Para isso é necessária muita confiança.

Até que ponto o seu conhecimento sobre Wall Street lhe deu essa confiança que necessitava?
Eu era a pessoa com mais conhecimento no set de rodagem. Sem qualquer dúvida.

Mesmo mais do que o Josh, pois também é um jogador da bolsa com conhecimento do mercado?
Junto dele senti-me como pertencente a outra classe. Mas quem sou eu? Sou um puto que vem dos Transformers e ele é o Josh Brolin. E aquele ali é o Michael Douglas! Por isso mesmo não sentia esse estatuto. Por isso teria de ser mais astuto e fazer com que viessem ter comigo a pedir conselhos. E chegámos ao ponto e que até os experts da equipa vinham ter comigo. Eu já estava preparado fazer o exame final para ser trader. Já me ofereciam cargos. Muitos dos homens que estavam na profissão era por terem visto Wall Street.

O que foi que mais o fascinou nesse meio?

Eu estava apenas a tentar sobreviver. A única forma de entrar no filme era preparar-me dessa maneira.

Chegou a pensar que poderia fazer a diferença, mudar alguma coisa?
Wall Street foi criada para financiar guerras. Nós tivemos uma guerra civil, entre o Norte e o Sul. E estas acções eram a forma de financiamento. Até porque o Sul apostava largamente no trabalho de escravos. Era assim que ganhavam dinheiro. Esta foi a ideia de criar capital. Na sua origem, o capitalismo é muito justo, pois cria trabalho e garante que as pessoas tenham a possibilidade de possuir bens e propriedades ou até conseguir investimento para iniciar um negócio. É claro que existe sempre os extremos. Demasiado socialismo é mau, bem como demasiado capitalismo é mau. Tudo o que é demais é mau.

Dinheiro a mais é mau?
Sim, dinheiro a mais é mau. Conheci muitas pessoas que viviam de números. Não se pode fazer isso.


Como foi trabalhar com a Carey Mulligan?

Ela é a actriz mais talentosa com quem já trabalhei…

O Oliver Stone comparou-o a um Tom Cruise jovem. Concorda?
Tenho um enorme respeito pelo Tom Cruise, mas não me revejo nele. É a opinião do Oliver. É bom saber, mas ao mesmo tempo também é um limite. Eu não estou a escavar o passado de ninguém, pois antes do Tom Cruise eu era parecido com o Tom Hanks e antes dele era com o John Cusack. Chega a ter graça. Dava a ideia que tinham de me enquadrar de qualquer forma, pois eu não era ainda um protagonista. Agora que os meus filmes fazem dinheiro sou o Tom Cruise…

Mas que estrelas de cinema admirava quando era adolescente?
Eu conheci o Jon Voight quando tinha 14 anos e ele apresentou-me à profissão. Ele é um actor incrível. Um dos melhores. Há muitos, mas o Dustin Hoffman é o meu preferido. Ponto final.

O que sentia quando apostava largo na bolsa?
Era como o casino. Embora a bolsa não seja apenas um casino. Há muitas apostas educadas e científicas.

Consegue sentir essa adrenalina quando está a trabalhar como um actor? Pergunto isto porque percebe-se que o Shia vive de energia pura…
Mas eu também exorcizo o os demónios. Conseguir gritar em plenos pulmões no meio de 50 homens aos berros e fazer sinais é algo muito terapêutico.

É o que faz antes de uma cena?
Nem sempre. Depende dos filmes. Nos Transformers é quase como commedia dell’arte, pois não falamos com ninguém. É pantomima. Depois saltamos para um filme como este, que é num estilo completamente diferente. Mas eu não sou nada, estou só a aprender. Tenho apenas 23 anos.

Mesmo assim, muitas pessoas não têm essa carreira numa vida inteira. Como se sente ao ter este sucesso com essa idade? Transformers, Indiana Jones, Wall Street… Não é para todos, não é?
Temos de pensar em termos racionais. É movie buisness. Eu fiz um filme que foi o Paranóia e fiquei ligado. Ninguém esperava. O Steven (Spielberg) viu o filme e viu em mim algo que procurava. Foi uma decisão comercial. Ele não queria necessariamente o melhor actor, mas queria atingir um determinado objectivo. Foi também através de Transformers que conheci o Oliver. Ele precisava de financiamento para o filme dele e eu apareci como um objectivo. Eu sabia disso. Eu estou a par disso. Poderia ter escolhido o Emile Hirsch e ter o mesmo resultado. Ou o Paul Dano. Há muito actores da minha geração que são tão bons como eu. E é inspirador ter na geração que nos precedeu pessoas como o Ryan Gossling ou o Ben Foster, que puxaram o envelope e foram melhores que a geração anterior. Isso é inspirador porque nos faz trazer para o trabalho o melhor de nós próprios, pois haverá alguém atrás de nós que poderá fazer o mesmo. Ou melhor.

É interessante como alguém da sua idade consegue avaliar a sua posição no mercado com tanta clareza…

Claro. Veja bem, eu tive a sorte de que o Steven me tenha assegurado cinco anos de trabalho (Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal). E eu sabia que não era por ser um grande actor, mas por conseguir a atenção do espectador. O que ele fez foi alongar essa ideia com fins comerciais. Ele é bom a fazer isso. Tal como o Oliver, embora tenham um ponto de vista diferente. Mas são ambos génios. Para mim, foi uma sorte pois vinha de um período negro na minha vida e precisava de lições que o Steven não conseguiria dar. Eu precisava de alguém com o poder de uma dentada. que me mordesse. O Oliver era alguém que eu estava à espera.

Uma espécie de substituição dele próprio?
Todos nós temos de aprender lições. Eu sou falível. O Oliver vem de famílias de colarinho branco e eu o contrario, mas ele queria tanto ter a minha ascendência quanto eu queria ter a dele. Ele prefere que saibam que tem uma bala no pescoço por ter combatido no Vietname do que saberem que a família dele é muito rica.

Fale-nos lá um pouco do seu período negro…
Eu nunca soube beber como um gentleman. Eu só sabia beber como um louco. Eram as minhas loucas, loucas raízes cajum. O meu pai era alcoólico e o pai dele bebeu até morrer. E o pai dele também. Eu venho de uma família de alcoólicos militares incorrigíveis. Eu e o meu pai fomos a única geração de sobreviventes. Para mim foi uma bênção ter encontrado o Oliver, porque ele também passou pedaços complicados. Ao Steven eu não podia relatar esses maus momentos ou ao meu pai, pois não o respeito. Adoro-o, mas não é o meu pai. É mais um amigo. Eu tenho relações amorosas, apaixonantes, apaixonantes, mesmo, com os meus realizadores. Eu morreria por todos eles. O Oliver Stone é uma figura paternal para mim, da mesma forma que o meu pai nunca conseguiria ser. Tenho um respeito pelo Steve e pelo Oliver que nunca tive pelo meu pai.

Foi o Oliver que o convidou ou o Shia que se propôs?
Ele escreveu-me uma carta, convidou-me ao seu escritório e depois desfez-me completamente. Brutalizou-me. E chegou mesmo a dizer-me: “não te preocupes, pois o Tom Cruise não era um actor antes de me conhecer”… Isto é duro. É duro, mas eu precisava se ser assim brutalizado. Ele é muito esperto.

Acha que depois dessa espécie de exorcismo procura vais procurar papéis que possam prolongar esse exercício?
Não se trata de um plano. A minha sensibilidade esta a mudar. Eu faço os filmes que gosto de ver e com as pessoas que gosto de trabalhar. Tudo pode mudar. Vou agora regressar ao trabalho e é aí que estou concentrado.

É o novo Transformers?
Sim, começo a semana que vem. É o melhor guião até agora. E atenção ninguém está a pensar filmes maus. É um filme muito difícil de fazer em Hollywood. Um dos mais difíceis.

 

Paulo Portugal, em Cannes
Publicado em Máxima online

 

Reportagem: No Complexo do Alemão com a equipa de ‘Complexo – Universo Paralelo’

Uma noite na favela

Aterrar no Rio com uma tremenda carga de ‘jet lag’ para, pouco depois, entrar de rompante pela perigosa favela Complexo do Alemão para assistir à exibição do documentário ‘Complexo: Universo Paralelo’, do português Mário Patrocínio, foi quase como fazer figuração para o filme que passará em breve no Doc Lisboa.

Quinze almas dentro de uma ‘van’, na companhia do realizador, dois jornalistas internacionais, a equipa da SIC e alguns amigos, incluindo o actor luso Ricardo Pereira, deixam para trás a primeira barreira de rua armadilhada pelos traficantes. Com a maior alma, Mário sai da carrinha e ergue da calha vertical o segmento de carril ferroviário que dá espaço para a carrinha passar. No fundo, uma imagem que viramos em ‘Tropa de Elite’ quando o ‘caveirão’ atacou a favela. A verdade é que a experiência de Mário nas favelas do Rio já inclui um cenário semelhante, pois também foi surpreendido pela maior operação de ‘limpeza’ do Estado, numa altura em que já captava imagens para o seu filme, e que acabou por as incorporar. Apenas os mínimos e a luz interior para revelar o interior do veículo, lá avançamos para o segundo ‘checkpoint’.

Quando o motorista decidiu parar, acabamos por avançar também a pé. Sempre seguindo Mário de perto, ficamos atónitos enquanto ele se dirigiu a uma ‘boca’ e cumprimentou o traficante rodeado de enormes sacos com centenas de embalagens da droga mais variada. “Ô portuga!”, disse abançando-o. Após uma breve troca de palavras e continuamos a subida. E quando passa por nós uma moto com o pendura armado com uma AK 47, Mário suspira: “Isto é que não era suposto veres”, como que a dizer que estava tudo programado para não haver exibição de armas. Afinal de contas era o dia da projecção do filme na comunidade. “Complexo do Alemão, o sonho virou realidade” grita o megafone preso num carro diante do salão improvisado – um campo de futebol tapado onde a família de D. Célia, entre outros habitantes se sentaram como puderam para assistir a esta incursão que Mário e o irmão Pedro para captar a vida e a alma da favela.

Mesmo com as deficientes condições de projecção e de som, deu para perceber como existe uma comunidade forte habituada a viver ao lado dos buracos de bala, dos infames ‘bailes funk’. Também o nosso grupo rapidamente se misturou com a comunidade. E já nem ligava ao trânsito infernal de motos tripuladas por adolescentes de ambos os sexos e até mesmo dos ‘caçadores’ de arma à tiracolo. No final, e de novo com o grupo a bordo, Pedro anuncia: “vou ficar, vou para o baile funk. Sou doido!” E lá seguiu. Até ao fim da noite. Será que foi tudo um sonho?

 

Paulo Portugal, no Rio de Janeiro

 

Michael Douglas: “O Oliver Stone tem uma mentalidade de trincheira”

“Ganância é bom!”, dizia em 1987, no filme que lhe deu o Óscar de Melhor Actor; agora, 2 anos depois, ouve-se: “Mais, é melhor!” Isto até ao crash de 2008, que justificou esta sequela. Gordon Gekko está mais sábio. E mais grisalho. Depois do aplauso na sessão do festival de Cannes, fomos apertar a mão ao verdadeiro Gordon Gekko. 

Em vez do sol morno dessa manhã, o vento e o frio visitou a cabine de madeira no jardim do luxuoso Hotel du Cap, a dominar a imensa propriedade no Cabo de Antibes, a escassa quinzena de quilómetros de Cannes. A ideia era entrevistar a figura que fora capa da revista Vanity Fair de Abril e da GQ americana de Maio e tentar identificar as mudanças entre o primeiro e o segundo filme. Apesar das marcas da idade, a imagem de Michael Douglas pouco difere da de Gordon Gekko. Talvez até por este homem detido durante oito anos trabalhe a sensatez e a ponderação, em vez da ganância. O actor também pouco mudou. Admite ter menos papéis de que outrora, mas sente as compensações da estabilidade da vida familiar ao lado de Catherine Zeta-Jones e dos seus dois filhos.

De fato de linho no mesmo tom azul dos olhos e uma camisa rosa, Michael fala daquilo que sabe. Vive cinema desde que despertou para a vida e observou o pai Kirk, tornou-se num produtor de mérito próprio e ganhou um Óscar de Melhor Actor, precisamente pelo papel de Gordon Gekko. Percebe-se que regressar ao pape, ainda por cima quando as circunstâncias tornam essa oportunidade numa obrigação.
A produção de Wall Street 2: O Dinheiro Nunca Dorme começou por ser uma iniciativa do próprio Michael Douglas e do produtor Ed Pressman que apresentaram o projecto a Oliver Stone, em 2006; seria revisto e reescrito em 2008, já na ressaca do crash bolsista. Era algo que tinha de ser feito, admitiu o próprio realizador. Era um pouco como esta entrevista: tinha de ser feita.

Com o filme de 1987, o Michael tornou-se num ícone entre os  tecnocratas de Wall Street. Considerou perigoso voltar a este tema 23 anos, sobretudo numa altura de uma enorme crise?
Tudo é difícil com o Oliver… (risos) Estou a brincar. Não, ele deu-me um dos melhores papéis da minha vida e que resultou num Óscar. Permite-me regressar agora, 23 anos depois. O que não há para gostar, não é? É verdade que na altura estava em alta e agora acabo de saio da cadeia. As coisas são diferentes.

Teve oportunidade de falar com alguém que tivesse estado preso por crimes económicos?
Tive, sim senhor.

E o que retirou dessa experiência que o pudesse ajudar a criar a sua personagem?
A verdade é que quem está na prisão tem muito tempo para pensar. Eu tive a oportunidade de falar com um inside traders médios, um que condenado a cinco ou seis anos de prisão. Mas é verdade que na cadeia há tempo para digerir as coisas. E uma delas é precisamente escrever um livro. Foi o que fez o Gordon Gekko. Isso serviu de terapia. E não só.

Não concorda que esse tempo passado na prisão os poderá tornar mais amargos em vez de mais seremos?
Há uma combinação de ambos os sentimentos. A minha personagem tem reacções diferentes consoante as pessoas. Por exemplo, o Bretton James (administrador de uma importante sociedade bancária, interpretado por Josh Brolin) tem a ver com essa pessoas em particular.

O Michael teve a oportunidade de contribui com sugestões narrativas para desenvolver o arco da sua personagem?
Sim, claro. Mas eu sempre faço sugestões de guião. Eu sou um estruturalista à maneira antiga. Veja bem, eu venho da televisão, onde fiz a série Streets of San Francisco. Era uma série com um prólogo, quatro actor e um prólogo. E produzi 104 horas. De estrutura sei eu muito. Por isso dou sempre boas sugestões…
O filme tem também excelentes bons diálogos…

Sim, mas isso eu não faço. Isso é apenas bom argumento.
O penteado que usou na altura, com o cabelo puxado para trás e fixado com brilhantina, também criou uma moda. Agora surge um pouco diferente, mas nota-se o estilo. Isso foi pensado assim?
Sim, o Gekko é um tipo muito personificado, tem o seu look. A verdade é que toda a gente gostava deste vilão.

Só que ela agora não tem nada…
Sim, quando regressámos à personagem percebemos que o Gekko não tinha nada. Não tinha dinheiro, perdeu a filha. Está na posição oposta de quando começou.

Acha que existe ainda margem para Gordon Gekko poder ser ainda visto dessa forma?
Vão vê-lo agora a uma luz diferente. Pelo menos no final. Mas quando eu próprio me preparava para fazer esta sequela perguntava-me como o Gekko iria reagir. Mas, acho, no final acaba por fazer a decisão correcta.

Como explica que hoje muita gente considere este homem com uma espécie de Deus?
Não consigo explicar, a não ser que nessa altura toda esta gente estivesse na escola de gestão. Possivelmente, seriam os que controlavam a Goldman Sachs e todas as companhias que se afundaram no crash. Parece que ninguém aprendeu nada. A ganância não acabou.

Como produtor, acha que Hollywood se tornou um pouco como Wall Street? Com menos regras e menos moral?
Há uma separação maior. Com todo o respeito, acho que a Fox teve uma grande coragem em fazer este filme. Não sei de muitos estúdios que o fizessem. É um filme adulto. Os filmes de estúdio começam a produzir com 60 milhões, sem contar publicidade; depois temos os filmes independentes, com 12-15 milhões. E depois há uma barreira enorme daqueles filmes que não conseguem orçamento.

Acha que a receita do tipo de filmes que fez nos 80 e 90, tipo Instinto Fatal, mais baseados na realidade, já não fazem sentido? 
Não, acho que a TV por cabo toma conta desse segmento.

Fale-nos um pouco da sua actividade caritativa e desarmamento nuclear?
Eu sou Mensageiro de Paz das Nações Unidas. Somos 6 ou 7 pessoas: o Daniel Barenboim, o George Clooney, o Paulo Coelho, a Jane Goodall, Midori Goto, Yo-Yo Ma, a Chalize Theron, entre outros. Cada um de nós tem a sua área e eu estou encarregue do desarmamento nuclear. Foi nomeado em 1998 e trabalho para que os EUA cumpram as suas responsabilidades nas NU. Temos um acordo entre os EUA e a Rússia e que tem de ser ratificado. Trabalho com eles para que o seja. Trabalho também com Israel, o Paquistão e a Índia, para a não proliferação de armas nucleares. Temos dois foras-de-lei, que são a Coreia do Norte e o Irão. São tempos difíceis e processos lentos.

O Oliver é conhecido por testar os actores e levá-los aos limites. Acha que essa dinâmica se alterou de um filmes para o outro? Estão agora mais brandos um com o outro?
Nem por isso (riso). Ele também fica nervoso. O primeiro WallStreet foi um filme para muito importante. Mas nessa altura, o Oliver já tinha feito o Platoon, onde ganhou o Melhor Filme e Realizador; já tinha feito O Expresso da Meia-Noite. Já estava um pouco mais à frente quando me chamou. Mas é difícil. Ele tem uma mentalidade de Vietname, de trincheira. Mas há muito respeito. Se bem que agora ele está mais calmo. Acho que agora o compreendo melhor. Mas ele trabalha todos os aspectos do filme. E apesar de tudo não havia nenhuma dia em que não íamos sair a um clube beber um copo. Só que na manhã seguinte eles ainda ia reescrever diálogos. Gora, ele é um tipo atormentado. Não sei como ele é capaz de fazer tudo o que faz…

O Michael chegou a investir no mercado bolsista?
No mercado bolsista? Claro, eu cheguei a investir nos mercados tecnológicos no final dos anos 90, por volta de 98, 99. Pelos menos ate à crise de 2008, que foi uma experiência traumática. Hoje entrego os meus investimentos aos especialistas e preocupo-me mais com a minha mulher e os meus filhos.

Por falar nisso, lembro-me de ter estado consigo em no festival de Deauville, em 1998, com o filme Um Homicídio Perfeito, numa altura em que também lá estava a Catherine a promover o A Máscara de Zorro. E lembro-me de me ter dito que tinha conhecido uma actriz incrível, lembras-se? 
Sim, lembro-me. Foi em Deauville que conheci a Catherine. Foi uma agradável surpresa. Lembro-me que tomámos um copo e jantámos…

Olhando para trás, até que ponto este encontro acabou por mudar também um pouco a sua vida? 
Foi em 1998 e agora estamos em 2010, já lá vão mais de dez anos, não é? Não tem sido mau. A Catherine é uma óptima esposa e os meus filhos também. Digamos que foi uma década boa.

O Michael está com 65 anos. Tem se apercebido de uma menor oferta de papéis para interpretar?
Obrigado, por me recordar a idade… Como sabe, à medida que ficamos mais velhos vemos reduzidas também as ofertas. Há menos papéis de estúdios, a não ser que seja um vilão; o mesmo se passa com os filmes independentes que têm mais problemas em sobreviver à crise económica.

É verdade que vai fazer Liberace. O que pode dizer sobre esse projecto?
Vamos começar a rodagem em 2011, por volta desta altura (Maio). O Steve Soderbergh vai realizar. Sou eu, o Matt Damon e o Jerry Weintraub produz. O guião é do Richard LaGravenese. Vai ser um filme charmoso e cheio de vida.

 

Paulo Portugal, Cannes
Publicado na revista GQ

Tilda Swinton: “O amor é a honestidade de nos mostrarmos a outra pessoa”

A ideia de fazer ‘Eu Sou o Amor’ tem onze anos. Foi um projecto conjunto entre a actriz e o realizador italiano Luca Guadagnino. Um magnífico exercício sobre a procura do amor verdadeiro. E um filme intemporal. Falamos com a actriz em Berlim.

Este filme tem um ambiente que não se parece com nada que tenhamos visto recentemente. É um filme clássico, mas de hoje. Concorda? Qual foi o ponto de partida?
Plenamente. E foi precisamente isso que quisemos fazer. Pensámos num filme sobre um meio que pudesse ser quebrado por um ritmo diferente, pela própria natureza; algo natural. Pensámos também numa mulher da minha idade que conheceria alguém mais novo. E para quem o amor seria uma evolução. Foi esse o ponto de partida.

Sente-se aqui uma proximidade entre os espaços e os ambientes de um cinema clássico, de Visconti…

Ainda bem que o diz, porque é  intencional. Não só o Visconti, mas também Hitchcock, Jonathan Demme, John Huston. Quisemos criar um millieu que fosse completo e selado. Quisemos que esse ambiente burguês, que já é distante de Visconti, fosse mais actual. É um mundo muito fechado. Tal como o eficiência daquele almoço.

Como descreveria o trabalho que desenvolveu com o Luca?

Foi um trabalho de família. Somos amigos há muito tempo., E temos uma relação muito cúmplice. E temos outros planos. O Luca é um realizador extraordinário. Uma das coisas que mais gosto de trabalhar com ele é por ser um ser voraz naquilo que faz. Ele não vê diferença entre o cinema clássico e o moderno.

Tentou-a a passar para o lado de lá da câmara?

Ele está sempre a tentar levar-me para a realização. Eu já fiz muitas coisas como produtora. Sempre gostei de fazer as cosias com um sentido de “faça você mesmo”, algo que aprendi com o Derek Jarman. Mas sim, ele está sempre a tentar seduzir-me com a realização.

Não se sente tentada?

Não me sento tentada.

Gostei muito de escutar o seu italiano…

E russo! E não há dobragem nenhuma. Apenas tive de tentar chegar perto do sotaque.

Mas foi convincente…

Mas tive de aprender a falar. Mas não  é muito diferente das outras línguas. Fiz muitos filmes na América e foi um pouco a mesma aprendizagem do sotaque.


Teria sido este o seu primeiro filme em italiano?
Deixe ver… Talvez, apesar de ter estado numa peça, Lawrence, encenada pelo Derek Jarman. Tinha um pequeno papel em que passava o tempo a correr no palco e a gritar em italiano. Foi hilariante. Mas adiante…

A sua personagem é bastante reveladora. O que foi que a seduziu mais nesta na Emma Recchi?

Gostei da calma dela. Ela não verbaliza muito. Apesar de não ser italiana, é russa, mas não é  uma pessoas que falaria muito, mesmo na sua língua. É alguém que serve há muito a vontade alheia. E de repente salta do seu ser para se libertar.

Como a definiria?

Emma é uma pessoa que vem para Itália sem nada, completamente vazia. E disfarçada para estar naquele ambiente de sociedade. A decisão dela é começar uma vida completamente nova. Quando a encontramos, a vida dela já deu a volta. Tem filhos já crescidos e supostamente já passou o tempo dela.

No caso dela, o amor acaba por ser uma prisão, pois vive há muito tempo com um homem que não ama. Serão então o amor uma prisão?

Será o amor uma prisão… Para mim, o amor é a honestidade, a honestidade de nos mostrarmos realmente a outra pessoa, sem receio de que essa pessoa possa negar parte daquilo que é e que não tente mudar a outra. Se essa pessoa for prisioneira, então provavelmente continuará prisioneira.

Sentiu-se confortável durante a cena de sexo?

Qual delas? A cena com o homem ou a cena com a comida?


(Risos)… A mais bucólica, digamos assim.
Foi muito fácil de fazer. Quisemos fazer algo muito natural, livre e também alegre. Muitas vezes, as cenas eróticas tornam-se muito dolorosas em que as pessoas parece que têm de concentrar-se mais do que se tivessem a fazer amor a sério.

 

Qual é para si a diferença em ver um filme como prazer individual ou participar num júri?

Para mim, o cinema é muito pessoal e não o consigo ver de uma outra maneira. E quando estamos num júri isso não muda, acho que tempos mesmo de ser muito pessoais. Já estive em vários júris e tenho sempre imenso prazer. É isso que nos pede o cinema, que tenhamos uma resposta pessoal àquilo que vemos. Tenho uma resposta ao cinema como uma criança.

Mas acha que o olhar das crianças é hoje um pouco moldado?

Não acho. Todas as forma de entretenimento mantém vivo nas crianças a ideia de evento. O que deveremos fazer é que todos os filmes são um evento. Seja um blockbuster ou um filme erudito. Ir ao cinema não sabendo o que se vai ver pode ser uma descoberta imensa.

 

O seu filme esteve agendado para passar no IndieFestival em Lisboa. Já  alguma vez visitou Portugal?

Não, nunca tive a oportunidade, mas tenho imensa vontade de ir. Não quer convidar-me?

Por mim, fica convidada. Está  prestes a completar 50 anos. Como encara esta data, este período da sua vida? A idade é algo que a preocupe?

Acho que 49 é o número certo, pois são sete vezes sete…

É verdade que vai fazer um filme com a Lynn Ramsey, ‘We Need to Talk About Kevin’?

Sim, se calhar é por isso que eu irei a Portugal. É um projecto que temos desenvolvido em conjunto há muito tempo.


É um filme que toca de perto o tema das crianças e das mães, algo que a Tilda conhece também. Os seus filhos estão aqui em Berlim?
Sim, estão aqui também. Ou estão no cinema ou no jardim Zoológico. Das duas uma.

Está  a vê-lo envolverem-se no cinema?

Eles gostam imenso de cinema e são co-curadores do meu festival de cinema na Escócia.

 

Paulo Portugal, Berlim

Emma Tnompson: “Sempre fui uma menina muito bem comportada”

Emma Thompson recupera o perfil austero da “babá” para cuidar das crianças irrequietas. E retoma a autoria do guião desta história original de Christianna Brand. Conversámos com esta versátil actriz britânica.

O que é que a atraiu nesta personagem da Nanny McPhee para a levar a escrever um novo filme?

Eu adoro a personagem, pois para mim personifica a essência da sabedoria. Ela tem paciência, é judiciosa, tem sentido de humor. Acho que a sabedoria não poderia existir sem sentido de humor.

Quais foram as  suas influências para esta nova história?

Sabe, o meu pai teve uma enorme influência em mim e também escrevia para crianças. Aliás, foi ele que me entusiasmou e mostrou o caminho para que pudesse também eu um dia escrever para crianças. A verdade é que eu costumava ver imensos westerns com ele. E percebi entretanto que as histórias da Nanny McPhee têm o mesmo estilo dos westerns. A Nanny McPhee é a estranha que vem de fora, resolve os problema com métodos poucos ortodoxos e regressa sozinha. Ao por do sol, ou não (risos). Foi então que decidi ver todos os westerns do Sergio Leone, Cint Eastwood e John Ford para ver se roubava algumas ideias, caso venha a fazer-se um terceiro filme. Se este fizer dinheiro suficiente (Bate na madeira)… Isto apesar deste ter sido feito com o mesmo orçamento que o anterior. Mas com mais efeitos especiais.

Sim, com porcos dançantes e voadores…

(risos) Muito bons actores os porquinhos, tenho de dizer. E não o burro digital do filme anterior que não trabalhava bem. Aqui os porcos eram tão bons actores que cheguei a pensar despedir alguns actores e ficar apenas com estes porquinhos vestidos de personagens…. (risos)

Tenho curiosidade de saber como era a Emma em criança. Era do tipo rebelde? Também precisava de uma “nanny”?

Não, nem por isso… (risos). Eu era até uma menina bastante bem comportada. Por várias razões. Teria de perguntar à minha mãe, mas ela até costuma dizer que a minha educação foi como ser passada por uma betoneira. Eu não me lembro de ser assim, mas é verdade que tinha muita energia. No entanto, repare eu nasci em 1959, apenas alguns anos depois da guerra, numa altura de grande austeridade. Nessa altura Londres era bem diferente. Tinha sido educada a levantar-me sempre que entrava alguma na sala. Era uma educação bastante rígida. O meu pai era uma pessoa muito doente e eu deveria ter uns sete anos quando o meu pai teve o primeiro ataque cardíaco. Talvez por isso, eu também não tivesse nada com que me revoltar. Eu só me revoltei depois de ele morrer quando já tinha 20 anos.

Como desenvolveu a apetência para a representação? Talvez por os seus pais também serem actores…

Sim, de certa maneira. Toda a minha família tem actores. O meu pai, por exemplo, foi um actor e escritor e só depois se tornou realizador. A minha mãe é actriz, a minha irmã também, os meus primos, os meus padrinhos era encenadores. Já vê, toda a minha família tinha raízes à representação.


Sentiu-se de alguma forma enclausurada nesse meio?

Não, de modo nenhum. Mas também não senti que queria ser actriz até aos meus 27 anos. Antes queria ser comediante, pois descobrira a comédia na universidade. Era isso que eu fazia na vida cinco anos depois de sair na universidade. Fazia e escrevia ‘sketches’ de comédia como modo de vida. Era aí que eu via a minha função, não propriamente como actriz convencional.

A Susanna (White, a realizadora) disse-nos que a Emma era uma pessoa que se interessava por tudo aquilo que tinha a ver com o filme. Será que a realização é também algo que está nos seus planos?

Não (risos). É que a realização é um processo tão penoso e longo que não me dá tempo para fazer mais nada. Têm-me aliás feito essa pergunta ao longo dos anos mas a minha resposta é sempre a mesma: “Se me disserem como poderei ser uma mãe afectiva e realizar um filme ao mesmo tempo, então eu poderei considerá-lo”. É nessa altura que ficam a olhar para mim resignados, como que a dizer “pois, isso não é possível”. Porque sabem que não é possível ser um pai presente. Digamos que seria assim: “Bom, vou tentar ser a melhor mãe, mas vejo-os daqui a um ano, ok?”.

Acha que os actores crianças são mais fáceis de trabalhar?

Não podemos generalizar, pois há  actores jovens que são muito fáceis de trabalhar e outros mais velhos são complicados independentemente da idade. Mas com crianças é sempre fácil de trabalhar, embora necessitem de muita energia. São óptimos, mas temos de os estimular para não perderem a espontaneidade.


Se uma verdadeira Nanny McPhee se candidatasse ao um emprego para tratar das suas crianças, contratava-a?

Claro. Talvez ficassem um pouco intrigada, porque também acho que um pouco de anarquia é salutar para todos…

Teve também já  alguma sensação de experimentar uma situação de anarquia incontrolável em casa, como a senhora Green (Maggie Gyllenhaal)?

Para ser sincera, a tarefa de mãe  é tão exigente em qualquer circunstância. E tenho um filho fruto do meu ventre e um outro adoptado. Mas educar Gaia (nascida em 1999 fruto da relação com o actor Greg Wise,) quando estávamos ambos presentes, com dinheiro, tempo e saúde para ela. Mesmo assim havia ocasiões em que ficava lavada em lágrimas. Isto porque educar qualquer criança é uma tarefa muito complicada. Não há manuais e ele não vêm como livros de instruções. Deveria haver curso de educação para pais. O que eu aprendi a educar a Gaia foi ouvi-la com calma. Isso é muito importante. Não sei como é em Portugal.

Acha que a educação das mães é mais importante do que a educação dos pais?

Não necessariamente. Dar á luz já é algo demasiado exigente, com um pé na morte e  outro na vida, como dizem os africanos. O meu marido trem um hábito nigeriano de dar um presente à mão no aniversário da filha, pois a mortalidade em África é devastadora. É que depois das mães darem à luz ficam num estado terrível. E mais uma vez isso não é muito comentado. A depressão pós-Natal é muito comum e não é muito atendida. Para além disso, temos o estado emocional e mental, pois estamos divididos em duas pessoas depois de dar à Luz. Para mim, foi algo que me marcou. Sinto que já não sou a mesma pessoa depois de dar à luz. Dito isto, acho que há muito para discutir sobre a maternidade. E acho que há muito para discutir sobre o assunto. E há muitas mães, mas também pais, que precisam de ajuda.

É verdade que está já a escrever um novo guião para ‘My Fair Lady’?

Sim, comecei a escrever há dois anos. A Sony queria fazer um ‘remake’ que fosse menos teatral e mais emotivo, com a Londres real e não cenários. Eu regressei ai original de Bernard Shaw e li muitas cartas para as actrizes, como Sarah Berhard. Desenvolvi o Higgings pelas cartas de Shaw.

Como se sente ao saber que tem o apreço de muitas crianças em todo o mundo?

Eu adoro crianças. Gosto mesmo. Respeito-as muito, pois é muito difícil ser uma criança hoje em dia. Lembro-me como foi difícil para mim. O reconhecimento das crianças é muito recente. Acho que não são ainda reconhecidos como deveriam ser. Não tê o mesmo espaço que deveriam ter. Viajo por todo o mundo o e vejo isso em todo o lado. Por isso este filme é mesmo feito para eles.


Tem um bronzeado glorioso. Não é da solarenga Londres…

Não, estive no México no mar de Cortez. Foi glorioso.

Tindy, a filha africana de Emma 

Em 2003, o casal decidiu adoptar uma menina refugiada do Ruanda cujos pais haviam morrido durante o genocídio. Aos 16 anos, Tindyebwa Agaba ganhava assim uma nova vida e estabilidade, sobretudo depois dos novos pais resistirem aos pedidos de sua deportação para Ruanda.

 PAULO PORTUGAL, LONDRES

(entrevista parcialmente publicada no Correio da Manhã)