Domingo, Abril 20, 2025
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Jake Gyllanhaal: “Ficava deprimido se agradasse a toda a gente”

Prince of Persia
É difícil levar a sério uma entrevista com Jake Gyllenhaal. Brincalhão, procura brincar com o sentido das respostas. Por isso, o melhor é entrar no jogo. No caso, é mesmo a adaptação de um videojogo. Assim se cria mais um novo herói de acção. Falámos com Jake em Londres.

Percebe-se que se divertiu a fazer este filme. É bom quando podemos divertir-nos no trabalho, não acha?

Sim, foi um trabalho bem divertido. Até porque eu gosto de não me levar muito a sério…

Divertido, mas também  desgastante do ponto de vista físico, imagino…

É verdade, mas não tanto quando se possa parecer. Quando estamos a gerar este tipo de energia com toda a equipa, é impossível não ficar contagiado pela adrenalina. Eu gosto de fazer filmes de todos os géneros e dimensões, mas este era quase como um evento desportivo, em que tinha de saltar, correr, lutar… Sim, foi cansativo.

Como se sentiu a exibir todos aqueles músculos? Ainda os conserva?

Sim, ainda os conservo… (risos) Alguns (risos). Não, minto. Continuo a ter os músculos todos, mas ainda que não com o mesmo volume. Mas como me senti? Bom, senti-me bem…. Não quero gastar todo o tempo a descrever o que senti, mas foi óptimo, pois sentia que era capaz de qualquer coisa…

Mas sentiu-se sexy?

Eu sinto-me sexy quando me estou bem interiormente. E não propriamente quando estou a contar os músculos que tenho…. (risos)

E o que fez então para ficar com esse corpo?

Bom, senti-me sexy… (risos) Não, primeiro deixei crescer cabelo durante seis meses. Depois prossegui um tratamento exaustivo de champô e amaciador… (risos) E não era um 2 em 1, era primeiro o champô e depois o amaciador… As massagens no couro cabeludo ajudam bastante à definição muscular dos braços e peitorais…

O cabelo comprido que vemos no filme era real?

Quase todo, sim.

Acha que por ser ainda um actor jovem é que pode dedicar-se a um projecto como este?

Como jovem – acho que ainda me considero jovem – ainda me levo muito a sério. E talvez por ter já feito papéis mais sérios percebi que poderia fazer um filme em que teria oportunidade de me divertir mais. Há pessoas que acham que para ser um bom actor temos de ser muito sérios, mas eu discordo totalmente com a ideia à medida que vou ganhando mais experiência. Não me parece que a tortura seja o melhor caminho para a criatividade…

O Jake continua a ter enorme credibilidade com os seus fãs; não me lembro de ninguém que não goste de si. Como é que consegue essa empatia com o público?

Não sei o que lhe posso dizer, mas consigo indicar-lhe algumas pessoas que não gostam de mim; já conheci alguns. E não me agrada muito isso. Acho que é importante as pessoas não gostarem de mim… (risos) É claro que gosto, é claro quer gosto que gostem de mim. Sou um actor… Mas acho também que é saudável fazer escolhas que deixam as pessoas perturbadas ou desconfortáveis. Ficava deprimido se pretendesse agradar a toda a gente.

Entrevistei recentemente a sua irmã, que  muito o elogia. Percebe-se que são muito unidos. Como é, discutem muito os projectos em que cada um se envolve?

Eu simplesmente adoro a minha irmã  e sempre fiquei abismado com o trabalho dela. Isto apesar de não falarmos muito o que cada um de nós anda a fazer. Isso não significa que não sei o que ela anda a fazer. Foi recentemente nomeada para um Óscar da Academia (Crazy Heart), o que me parece de inteira justiça, pois sentia-me embaraçado por eu já ter recebido esse reconhecimento e ela não. A Maggie é uma irmã incrível. E uma incrível mãe. O que me faz gostar ainda mais dela.

E o Jake será um tio igualmente incrível?

Um tio incrível!?… Digamos que não estou mal (risos). Acho que sou um bom tio. Estou a trabalhar nisso. Também não é suposto ser um tio incrível… (risos)

Disse que se sente ainda muito jovem, mas a verdade é que está prestes a fazer 30 anos…

É verdade, acaba por algo importante, até porque estão a acontecer muitas coisas na minha vida e ao mesmo tempo.

Quem são os seus melhores amigos?

Tenho uma série de amigos com quem cresci na ilha onde vivi com os meus pais e que se chama Martha’s Vineyard e também em Los Angeles. O meu melhor amigo é um cozinheiro e vive em Martha’s Vineard.

O que faz quando não esta a filmar?

O que gosto mais de fazer é andar de bicicleta por todo o mundo e fazer surf com os meus amigos.

Já  vi que não é dado a festas…

Festas? De vez em quando. Mas como gosto de estar mais no exterior, tenho de deitar-me cedo.

Qual foi o último CD que fez download?

Gosto muito dos Kings os León, e acho que fiz o download do Eminem..

E paga pelos downloads que faz?

Pago, pago… (risos)

Já  jogava Prince of Pérsia antes de fazer o filme?

Sim, joguei o original, deveria ter uns oito ou nove anos. Depois, só recentemente joguei o mais recente Sands of Time e viciei-me um pouco. Isso permitiu-me perceber as diferenças narrativas entre o jogo e a história do filme.

Lembra-se de quando observava os seus pais (ambos na indústria de cinema) de pensar: “ok, é isto que eu quero fazer um dia?”

Acho que nessa atura estava mais interessado em jogar O Príncipe da Pérsia do que ser actor. É claro que cresceu porque fui conhecendo muito bem os diferentes departamentos de um filme. E lembro-me de o meu pai me dar um walkie-talkie e de fazer recados entre os vários departamentos. Mais tarde, percebi que era divertido e que até se poderia ganhar dinheiro…. (risos)

Nessa altura, a sua irmã  partilhava o mesmo interesse?

A minha irmã estava muito mais envolvida do que eu em peças de teatro na escola e cantava imenso. Lembro-me de regressar da escola com ela de carro e de ela cantar altíssimo. Sempre fui muito teatral.

Acha que é mais fácil os homens fazerem carreira em Hollywood?

Acho que é algo que está  a mudar. Talvez no passado seja assim. Por exemplo, a Meryl Streep está  a tornar-se num caso sério de longevidade. Mas isso também tem a ver com o talento. E acho que a minha irmã também tem o mesmo talento, apesar de poder ser presunçoso. Não me parece que seja importante ser actor ou actriz.

Como avalia o seu trabalho em Brokeback Mountain?

Foi um projecto muito interessante, apesar de nunca termos sonhado que teria o reconhecimento que teve. Não era um filme com muita acção, quer dizer, tinha alguma acção… (risos) mas não era bem a mesma coisa, como O Prinicipe da Pérsia, por exemplo. O filme transmitia uma certa rigidez e uma intimidade diferente de tudo o que já fiz. Era uma intimidade entre eu, a Michelle e o Heath. Foi muito especial.

 

PAULO PORTUGAL, EM LONDRES

(entrevista publicada na revista Flash)

 

Ben Kingsley: “Shakesperae é o ‘patrão!’”

Nas entrevistas, Ben Kingsley está  sempre como peixe na água. É o seu meio. A atenção é  toda para ele e, ele, gosta. Alimenta-se dela. Meticuloso, elevado e ponderado representa sempre o seu papel, o de um dos actores britânicos mais disciplinados. Tal como ele consegue identificar o meio social de qualquer sotaque londrino, também é fácil de compreender que o seu é um sotaque elevado e aprimorado com o tempo. Krishna Pandit Bhanji nasceu no último dia do ano de 1943, na pequena cidade de Snainton, em Yorkshire, fruto da união entre um médico e uma actriz e modelo. No final dos anos 70 viria a ocidentalizar o nome quando já beneficiava de uma reputação como actor de teatro e televisão. Pouco depois espantaria o mundo numa verdadeira osmose com a personagem de Gandhi e ganhando o respectivo Óscar.Em invejável forma aos 67 anos, Sir Ben tem uma impressionante lista de projectos em diversas fases de produção, não só como actor, mas também como produtor. Desde logo o épico Taj, em que participa com a sua mulher, a brasileira Daniela Lavender, de 36 anos, no papel da princesa indiana a quem o imperador seu marido edifica o magnífico Taj Mahal para provar o seu eterno amor. Isto para além de produzir a mini-série O Primo Basílio, adaptando o romance de Eça de Queirós.

Em O Príncipe da Pérsia, dirigido pelo britânico Mike Newell, cabe a Kingsley o papel mais sério desta fita inspirada no famoso videojogo criado por Jordan Mechner e celebrada com o toque de Midas pela produção vistosa de Jerry Bruckheimer. Se, por um lado, Ben nos faculta a dimensão épica da narrativa, de Jake Gyllenhaal e Gemma Arterton temos o flirt, mas também as mais vistosas cenas de acção, com muito parkour à mistura. E assim nasce mais uma franchise? Assim o público responda.

Impecavelmente vestido de roupa de malha justa a acentuar a excelente forma física, com o crânio luzidio e pêra rala, Ben Kingsley apresenta-se sorridente e hirto à porta da suite do hotel Excelsior, em Londres. A hora é dele.

Sir Ben continua em grande forma física. Percebe-se que se preocupa com o seu bem-estar. Tem muito trabalho para manter a forma?

Obrigado… Bom, como tenho piscina em casa, costumo dar umas braçadas todos os dias. Faço também alguns pesos. Mas não sou nada obcecado com o ginásio.

É realmente vasta a lista de projectos cinematográficos em que deverá participar nos próximos tempos. Percebe-se que tem estado muito ocupado….

Tem razão, está mesmo muito cheia, pois para alem do trabalho de actor, estou também a produzir. E isso dá bastante trabalho. E ainda vou entrar em três dos quatro filmes que produzirei. Para além disso, participei em grandes projectos como Shutter Island e O Prince da Pérsia. Digamos que está tudo a correr muito bem.

Que experiência retira em particular de O Príncipe da Pérsia, este projecto filmado no escaldante deserto de Marrocos?

Sabe, eu tenho uma óptima relação com os realizadores. Há muitos realizadores que têm uma boa relação com os actores, ma seu sou o contrário. E consigo ter um bom raport, talvez porque esteja muito habituado a ensaios, pois sou um actor shakespereano. O Mike Newell percebeu isso depressa. O Nazin não é uma personagem tridimensional, ele está consumido com ambição e inveja do príncipe. Isso é um passaporte para as emoções.

Quais as personagens de Shakespeare que vê aí fundadas?

Vejo Cláudio, Ricardo III, que diz na tela: “porquê eu?”. E Hamlet, claro.

Percebe-se que gosta sempre de encontrar Shakespeare no seu trabalho.

Gosto sim senhor, porque ele é  o “patrão”. Se pudermos fundir as personagens de certeza que encontramos o nosso caminho. Por exemplo, no Sexy Beast fui o Iago, em Shutter Island seria o Próspero, de Tempestade. Há uma combinação de amor incondicional temperada pelo desejo de curar o seu paciente. É uma tarefa imensa.

E como foi essa experiência de trabalhar com o Martin Scorsese?

Estou quase a começar o meu novo filme com ele (The Invention of Hugo Cabret e será filmado em 3D, com Kinglsey no papel de Georges Meliès). Estou entusiasmado! Ele é um homem extraordinário. Faz filmes como amor, adora os actores. É um acto de amor que pode por vezes ser duro, mas não deixa de ser um acto de amor.

Já o ouvi dizer que gosta de trabalhar com actores jovens. É algo que se aplica a este projecto com o Jake Gyllenhaal?

Very much so. O Jake tem um sotaque londrino tão imaculado que quase lhe posso dizer que colégio frequentou e em que rua mora no noroeste de Londres. É um rapaz de classe média de Tufnell Park , em NW 5. Isto graças à Barbara a sua instrutora de voz. Ele tem uma interpretação muito confiante. O que eu acho dominante na prestação dele foi a forma como acreditou que o seu tio não o queria destruir. É que a homem que ele ama é aquele o quer destruir.

De certa forma, Shutter Island também não sabemos bem se a sua personagem é positiva ou um vilão. Também é ambivalente…

Mas o Dr. Cawley torna-se extremamente positivo, sobretudo quando temos um realizador que usa a câmara para o revelar essa personagem. Acho isso magia.

Como definiria o seu estilo?

Não defino. Mas nesse filme é  espécie de aprendizagem pela imobilidade. Deixe-me contar um exercício que fiz com alunos de representação nos Estados Unidos. Todos estavam na sala, menos um que se tinha atrasado. E eu sugeri-lhes que fizéssemos um acordo: “A próxima pessoa que entrar naquele porta será um tipo completamente louco”. E pouco depois lá entra o aluno que começa por justificar o atraso. Mas diante das nossas reacções, começa a ficar embaraçado. É que tudo estava pré-condicionado. Foi um exercício fascinante. No fundo, é a disciplina e a precisão, mas também a simplicidade. É isso que eu agradeço a Shakespeare e a outros.

É verdade que irá trabalhar em breve com a sua mulher (a brasileira Daniela Lavender)?

Sim, espero que sim. Não colaborei muito com ela quando estava a preparar o seu trabalho para a peça como Tatânia, na peça Um Sonho Numa Noite de Verão, mas lá foi ela, como se fosse uma criança a atravessar a sua pela primeira vez. A Daniela foi magnífica. Iremos, espero eu, trabalhar juntos, em três dos filmes que irei produzir.

Em Taj?…

Sim, em Taj, mas entrará também em O Primo Basílio, baseado na obra do português Eça do Queiroz.

Ah sim? Conhece o livro?

É um livro magnífico! Soberbo nas descrições burguesas E Daniela entrará ainda nua outra adaptação de Shakespeare, mas que ainda não está confirmado.

Uma pergunta matreira: será  que o seu português já evoluiu mais de que uma palavra?

Receio que não… Pois a Daniela fala um inglês imaculado. É claro que já fomos os dois ao Brasil, mas a família dela também fala bem inglês, por isso acho que o meu português não teve possibilidade de evoluir.

Como vê  a eleição do novo Primeiro Ministro britânico? Será seguramente um período importante para o seu país…

Sem dúvida. Curiosamente, como moro muito perto do David Cameron, quando fui votar os paparazzi pensavam que era ele no carro. Mas quando me viram disseram: “não é o Cameron, é aquele actor, o Ben”… Mas é uma eleição muito importante e é crucial para mostrar como nos revemos com a nossa cultura, a nossa língua e a responsabilidade com a comunidade internacional. Está muito a passar-se e estamos se dinheiro.

Tal como nós em Portugal… Acha que o Reino Unido poderá voltar a ter a mesma posição na Europa que tinha há alguns anos atrás?

Eu acho que terá de ter uma contribuição filosófica para o debate sobre o futuro do mundo, o poder militar, o dialogo entre a pobreza e a riqueza. Há muito para fazer e não pode ser ofuscado por uma mera e apetecível retórica e sound bytes baratos. Se voltar para Shakespeare e Churchil, óptimo.

Acha que a aliança com os Estados Unidos se irá fortalecer?

É uma aliança com o Barack Obama. E é uma aliança com uma América nascente que é fantástica. Ele tem muito para fazer. É fantástico o que ele tem feito e como o tem feito. É óptimo vê-lo assim seguro. E que assim fique.

Por falar em Shakespeare, como explica que as suas peças continuem a ser tão populares como este filme?

Houve um estudo recente conduzido pelo National Youth Theatre onde um grupo de miúdos que não tinham contacto com Shakespeare converteu esse estudo num momento apaixonante de evolução. O mesmo sucedeu recentemente com os meus filhos a interpretarem Shakespeare. Se o perdêssemos seria desastroso. E tornava-o obrigatório na escola. É muito poético, rítmico e poderoso.

Qual é a sua relação actual com a Índia e como encara o seu desenvolvimento actual?

Eu tenho uma relação muito sentimental com a Índia. Tenho uma enorme afecto com aquele gente. É uma economia muito pujante, mas também com muito a fazer. Não podem estar dois países separados.

Acha que o Sir Ben poderá ajudar nesse sentido?

Acho que já ajudei com Gandhi e tornei o mundo mais alerta a essa personagem, mas irei também fazer filmes que injectem algo da minha personalidade na cultura deles. É o que sucederá, espero, com Taj.

Paulo Portugal, em Londres.

(entrevista publicada no Jornal i) 

 

Fatih Akin, o realizador de ‘Soul Kitchen’, admite: “Tive de amadurecer para fazer este filme”

O talentoso realizador turco faz uma pausa no seu cinema mais duro e oferece-nos uma saborosa visão sobre as atribulações de um grego em Hamburgo.

Este é um filme em que a culinária, a música e o multiculturalismo estão muito presentes. Como foi então juntar todos estes ingredientes? Teve a sensação de que estava mesmo a cozinhar?

Sim, foi mesmo isso. Logo a começar pelo guião, que foi a carne; tivemos de o trabalhar, batê-lo bem até estar apetecível. Depois tínhamos raparigas lindíssimas que mais pareciam zucchinis… (risos)

No entanto, este projecto esteve muito tempo no congelador antes de o cozinhar…

Sim, bastante tempo (risos). Como sabe, quando vamos ao supermercado os produtos que compramos têm um prazo de validade. Neste caso tínhamos até o receio de que tivesse já estragado…

Porque achou que era agora o tempo certo para avançar com este filme?

Acho que já foi quase tarde demais. É um filme sobre uma geração – a minha geração. Era algo que eu queria retratar. O estilo de vida. Mas hoje, onde quer que vá, percebo que não vivo este estilo de vida. Já estou mais velho, tenho um filho e cabelos brancos. Já não posso fumar. E a vida de discotecas acabou para mim. Se calhar, nesse sentido, o ‘timming’ está perfeito. Por causa da crise, as pessoas precisam de rir, eu preciso de rir. Queria também fazer uma pausa nos filmes que fiz e também naqueles que quero fazer no futuro. Para já não tenho planos concretos. Este filme ajudou-me de certa forma a lidar com o futuro. Foi uma lição de vida.

Em que sentido?

Ajudou-me a superar os meus receios sobre o que vão dizer. Eu nasci na Turquia e lá tínhamos muito a consciência de “o que dirão os vizinhos?”. Eu quero libertar-me também do estigma quando penso “o que dirão os críticos?” Por isso, tive de vencer os meus medos.

‘Soul Kitchen’ 

Olhando para a sua filmografia, acha que este é o filme que faz melhor sentido neste momento?

Acho que sim. De um ponto de vista interior. Os heróis do meus filmes tiveram todos de lutar para encontrar uma casa, de saber onde é a sua casa: seja a procura de uma casa na Alemanha ou quando tencionam regressar à Turquia e procurá-la lá. É uma incessante procura de identidade. No entanto, nunca se questionam de onde são, pois sabem-no bem. E tentam defender e proteger essa origem. De certa forma, é o completar de um círculo.

Sentiu também a necessidade de o tornar mais leve?

Todos os meus filmes ilustram o meu estado de espírito. Foi assim em ‘Head On’, mas também em ‘The Edge of Heaven’. Sobretudo o último foi uma experiência triste. Por isso queria voltar a rir. Eu merecia fazer um filme alegre. Essa foi a primeira força para fazer o filme. Em termos de estratégia, pode ser que me engane, vamos ver…

Para alem do aspecto culinário, dá a sensação que ‘Soul Kitchen’ se assemelha a uma peça musical interpretada por uma banda, concorda?

Sim, é como um ‘set’ de DJ. É fantástico porque fazemos a misturas e o público não se apercebe que um novo tema já começou. Foi esse o desafio de fazer um ‘mix’ de 90 minutos. É por isto que eu quero tornar-me no melhor realizador que poderei ser. E não posso estar constantemente a repetir-me. É maçador estar sempre a repetir o mesmo estilo. Eu quero aprender, mesmo que não tenha sucesso.

O que foi para si mais difícil fazer este filme?

Criar o ritmo certo e o ‘timming’. Em ambos os meus filmes anteriores, ‘Head On’ e ‘The Edge of Heaven’, apenas dois actores seguravam o filme a maior parte do tempo. Aqui temos vários ao mesmo tempo. Há diversas linhas narrativas e personagens que chegam a encontrar-se no mesmo plano. Eu tive de amadurecer para fazer este filme. Tive de conhecer a morte e a vida; tive de ser pai…

E o que vai fazer a seguir? Vai acabar esta trilogia?

Sim, vou acabar a trilogia. Ainda não estava preparado para a concluir. Por isso, tive de fazer ‘Soul Kitchen’. Mas agora já estou preparado.

Como é que lida com o seu próprio sucesso?

Eu sou um artista, e como todos os artistas, queremos ser amados. É esta a armadilha. E não somos nós que queremos ser amados, mas sim a nossa arte. Queremos que ela seja amada. Não é o dinheiro e os números de bilheteira que me tentam, mas sim que o filme seja desejado pelos espectadores. Ainda não estou preparado para querer que o meu filme faça muito dinheiro.

Mas não se sente tentado por uma carreira nos EUA, onde a visão dos realizadores europeus é bem vinda?

Eu sou um autor, e não o tipo de realizador que pega em 60 milhões de faz um filme qualquer. Eu quero ter uma história para contar. Só assim continuarei a ser autor. Foi por isso que nunca fiz publicidade. Se precisasse desesperadamente de dinheiro, aí sim.

 

Paulo Portugal, em Veneza

Saoirse Ronan A caminho das estrelas “Quero ser uma boa actriz”

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Espera-se tudo desta jovem irlandesa de 26 anos nascida em Nova Iorque. Ofuscou a presença de Keira Knightley em Expiação e arrebatou uma merecida nomeação ao Óscar de actriz secundária. É agora em primeiro plano que surge em Visto do Céu, o novo filme de Peter Jackson, em que é assassinada por um pedófilo. Presa num limbo, observa a família e o monstro que se prepara para atacar de novo. Luminosa e etérea, foi sempre uma das candidatas à nomeação para Melhor Actriz. Encontramo-nos em Madrid para um fascinante frente-a-frente.

Saoirse (lê-se Ser-cha), aí está um nome invulgar! Se não estou em erro, a origem da palavra está relacionada com liberdade, certo?
É verdade. É um nome irlandês. Acho até que é bastante moderno…

No entanto invulgar… 
Sem dúvida. Mesmo para a Irlanda. Acho que foi inspirado num livro de crianças.
Acredita que essa expressão será até um moto na sua vida, na sua carreira?
Sim, por acaso, acho que reflecte a minha personalidade, a minha profissão, a minha vida.

Como foi que se relacionou com este projecto? Tinha lido o livro?
Por acaso não, apenas tinha ouvido falar nele através do meu agente. Entretanto gravei umas cenas que enviei ao Peter Jackson. Esperei para ler o livro depois de terminar o filme.

E porquê?
Eu tinha treze anos na altura, e disseram-me que era nova demais para ler aquele primeiro capítulo… É, de facto, algo muito profundo. Por isso não quis adiantar-me. Por outro lado, quis apenas concentrar-me no guião e não na história.

A sua prestação é sempre muito forte, mas a cena na gruta com o Stanley Tucci é mesmo profunda e emocionalmente perturbadora. Como foi que se preparou para mostrar essa vulnerabilidade? O Peter ajudou-a de alguma forma?
Um pouco.

O que estava a pensar na altura em que está a sós com o mostro?
Bom, o guião era uma óptima referencia. Está lá tudo. Mas se eu tivesse alguma dúvida, poderia ir ter com o Pete, a Fran (Walsh, argumentista e companheira de Peter Jackson) ou Philippa Boyens (argumentista). Aliás, era uma personagem que eu deveria ir descobrindo à medida que avançava na rodagem. No início, nem sequer a compreendida bem, nem sabia muito bem quem ela era. Sobretudo porque transforma-se muito ao longo do filme. Eu necessitava de reconhecer isso e saber quando aconteceria. Podemos ter alguém que nos ajuda, mas temos de ser nós próprios a compreendê-la. Foi óptimo trabalhar com o Pete, porque ele foi sempre muito envolvente e mostrava-me sempre como agir.

Deu-lhe também algumas dicas do ponto de vista psicológico?
Na verdade, nada que eu me lembre. Como disse, estava tudo no guião. É claro que tivemos algumas discussões sobre a personagem. Mas era no próprio dia, pois nem sequer ensaiamos muito. Ele tinha sempre uma ideia muito clara sobre como a cena se iria desenrolar.

A Saoirse fez alguma pesquisa ou falou com algumas raparigas que tivessem sido molestadas?
Na verdade, não. Mas acho que isso tema ver com a Susie (Salmon, a personagem), pois ela tem sempre um espírito muito aberto e não aceita durante muito tempo o facto de que está morta. Acho que é por isso que ela é diferente. Digamos que tive uma boa instrução por parte do Pete e de toda a equipa. Mas, na verdade, não fiz muita pesquisa… Acho que a música ajuda imenso, por exemplo.

E o que estava a ouvir quando preparava essa cena?
Era sobretudo música dos anos 70, que é quando se passa esta história. Brian Eno e outros artistas que escolheram para fazer a banda sonora. Ouvia também muita música clássica.

Como é que respondeu aos rumores de que teria neste filme uma das interpretações do ano e que poderia inclusive ser uma das nomeadas para o Óscar? Sentiu que isso lhe provocou uma pressão suplementar?
Quando me trouxeram a notícia, apenas engoli em seco. Tentei sempre não pensar muito nisso. É bom que as pessoas me vejam com essa exposição. É seguramente o melhor lugar para estar e a melhor reacção que podemos esperar da nossa performance. O importante é que gostem do filme.

Mesmo assim não seria a primeira vez que tal sucedia, pois foi nomeada por ‘Expiação’. Como descreveria essa sensação de ser nomeada pela primeira vez?
Por acaso, nessa altura estava eu na Nova Zelândia a filmar ‘Visto do Céu’. Por isso, foi uma notícia que nos chegou mesmo de madrugada. Lembro-me que os meus pais ficaram histéricos, enquanto que eu fiquei em choque. Foi mesmo algo totalmente inesperado. Eu nem queria acreditar que iria mesmo à cerimónia dos Óscares, um espectáculo que sigo há muitos anos na TV. Tive também muitos conselhos de pessoas que sabem o que é estar nos Óscares. Como o Peter Jackson que já ganhou imensos Óscares!… (risos).

Consegue encontrar algum ponto de contacto entre Susie e Briony (a personagem de ‘Expiação’)?
Bom, uma coisa eu me posso relacionar: é que são ambas raparigas criativas e têm ambas uma grande imaginação.
Percebo que é algo com que se relaciona bem…
Sim, sim. Eu imagino coisas a toda a hora. Estou constantemente a criar coisas na minha cabeça. A Briony é muito esse tipo. Quando à Susie vemos apenas a sua imaginação quando ela está no seu mundo “de passagem”.

Quando observava o trabalho de actor do seu pai também imaginava coisas. Por exemplo, que poderia um dia ser também actriz?
Antes de começar mesmo a representar não, acho que não. Eu era muito nova na altura. Teria uns sete anos.

No entanto, poderão existir muitos jovens que ; ao vê-la no ecrã, poderão pensar se não poderá um dia chegar a vez deles. Que conselho lhes diria, se pudesse?
Acho que é importante ter algum envolvimento com o teatro. Eu tive muita sorte na minha escola, pois todos os anos fazíamos um teatro. E todos nós tínhamos direito a interpretar dois papeis, pois éramos muito poucos. Eu sempre queria fazer dois papéis. Outra  coisa que podem fazer é um pequeno filme com os amigos. Eu adorava fazer isso, é muito divertido. Sobretudo porque não é nada sério. É apenas uma possibilidade de libertar a nossa imaginação e levá-la ao ecrã na TV. E depois ver bons filmes e não filmes de fraca qualidade. Quer dizer, sempre podemos ver os mais beras, mas deveremos prestar mais atenção aos de qualidade.

A Saoirse já teve a oportunidade de trabalhar com grandes actrizes, como a Keira Knightley, Vanessa Redgrave, mas  também a Rachel Weisz ou a Susan Sarandon. Está preparada para ser uma delas quando foi mais madura? Por outras palavras, como é que se encara num futuro não muito distante?
Uuuhh…. Não sei.

Pelo menos, sabe que é esse o seu caminho. E isso já ajuda, não?
Sem dúvida. Quero ser uma boa actriz. Não é que não me interesse ser uma estrela de cinema, mas o lado da fama e dos paparazzi é algo que não me interessa tanto. Se com essa exposição vierem também bons papéis e que as pessoas gostem do que eu faço, então acho que será óptimo.

Com todo este trabalho que tem, encontra ainda algum tempo para estar com a família?
Bom, os meus pais acompanham-me para todo o lado, o que é óptimo. Mas é sempre algo surreal estar diante de 20 fotógrafos aos gritos. Isso não é natural. Por isso acho que nunca ficaria muito confortável. Todo o resto vem com o trabalho. Gosto de me vestir, mas não gostaria que me perseguissem com uma câmara.

No meio de tanta agitação é difícil manter os pés no chão?
Não é assim tão difícil, pois tenho muita gente genuína perto de mim o tempo todo. É útil ter essa roda de amigos num meio que, por vezes, pode esconder os seus perigos. Se não estivermos conscientes do que significa a fama, então é melhor não ir por aí.

Já sabe o que vai fazer a seguir?
Sim, vou começar um novo projecto, mas não posso ainda falar nele.

Compreendo. Foi um prazer falar consigo. Boa sorte para o futuro.
Obrigada.

O QUE ESTÁ A FAZER

É um dos rostos que marcará por certo esta década. Nomeada para um Óscar com apenas 13 anos pelo papel revelado em ‘Expiação’, ao lado de Keira Knigtley e James McAvoy, terá terminado entretanto ‘The Way Back’, de Peter Weir, onde contracena com Colin Farrell. Entretanto, está já confirmada para ser cabeça de cartaz em ‘Hanna’, num reencontro com Joe Wright (realizador ‘Expiação’), onde terá Cate Blanchett e Eric Bana como pais fictícios.

 

Paulo Portugal

(publicado na revista Máxima edição de Maio)

 

Carey Mulligan: Um talento precoce

A adolescente rebelde em Uma Outra Educação tornou-se na jovem actriz mais desejada. E nem precisou de ganhar nenhum Óscar. 
É uma das actrizes do momento, se não mesmo “a actriz! O Óscar ter-lhe-ia ficado lindamente e, seguramente, a comunidade (e a imprensa!) recebê-la-ia de braços abertos na selecção de eleitas para os projectos mais apetecidos. Felizmente, isso não será necessário, pois aos 24 anos, Carey Mulligan, a nova “it girl”, tem uma agenda repleta de projectos em que é protagonista e que a confirmam como um rosto, um olhar e uma presença encantatória. A revista Vanity Fair apenas confirmou o inevitável, ao considerá-la uma das actrizes desta década! Felizmente, iremos rapidamente habituar-nos a ver o seu rosto.
Carey tem um ar de Audrey Hepburn e um olhar luminoso que resplandece na tela. É mesmo um caso raro de magnetismo. Em Uma Outra Educação é a adolescente seduzida, mas que também seduz, por um homem mais velho, com o rosto do excelente Peter Skarsgard, levando-a a viver os excessos da swinging London dos anos 60.
Foi há pouco mais de um ano, no festival de Berlim, que conhecemos esta londrina desinibida, de cabelo à Maria-rapaz, voz profunda e um olhar que sorri quando fala. Difícil foi, por vezes, manter a atenção, durante uma conversa olhos-nos-olhos em que o pensamento insistia em aplicar aquele rosto em filmes imaginários. Compreende-se por isso que Shia Labeouf se tenha perdido de amores quando com ela contracenou do filme de Oliver Stone, Wall Street: Money Never Sleeps, a sequela do filme que o próprio realizou há mais de 20 anos. Hoje Shia assume, visivelmente apaixonado: “É , de longe, a actriz mais talentosa que eu conheço”. Entretanto, “a menina de quem se fala” mostra estar à vontade em vários géneros e terminou já o thriller Never Let Me Go, ao lado de Keira Knightley, com quem se estreou em Orgulho e Preconceito, em 2005, bem como o inquietante Brighton Rock, na companhia da dama Helen Mirren. Entretanto, fazemos figas para que se confirme o rumor em vê-la como a futura Eliza Doolitle, no remake do drama musical My Fair Lady, repetindo a imagem de… Audrey Hepburn, que o talentoso John Madden preparar para estrear em 2012. E, já agora, que Colin Firth seja o Professor Higgins… Seria perfeito.

A exposição deste filme terá mudado a sua vida, não?
Sem dúvida, desde o festival de Sundance (Janeiro 2009) que não paro… (risos)

Então, e têm-na tratado bem?
Sim, muito bem. Eu nunca tinha feito isto…

Não me diga que este é o seu primeiro ‘press junket’?
É verdade. Nunca tinha feito promoção…

No entanto, este é um filme que lhe trará uma enorme exposição. Como é que vê essas mudanças rápidas na sua vida?
Eu ainda não senti nada disso. Só agora começo a aperceber-me. Sei que as opiniões são favoráveis, mas não estou em nenhuma digressão de auto-promoção.

Está preparada para os tablóides e os ‘paparazzi’?
Não, mas porque não faço nada que motive essa curiosidade. Como não vou a festas de outros filmes, nem quero receber prendas, acho que não terei de me preocupar.

Quando tinha 16 anos, o que pensava das raparigas que já namoravam os rapazes mais velhos?
Mas eu também namorava! Quando tinha 16 anos saí com um tipo de 25. E aos 18 (nem sei porque estou a contar isto…) trabalhava num bar e havia um tipo que passava sempre por ali e tinha um Ferrari. Acabei por sair com ele porque tinha um Ferrari… Tão simples como isto. Tinha estado num colégio interno, está a ver? Não tinha vida social…

E o que pensavam os seus pais na altura?
Eles não sabiam, claro. Bom, vejamos, foi uma saída à noite e não um namoro…

E quando lhes disse que queria ser actriz?
Não gostaram muito da ideia. Queriam que eu estudasse e que tivesse alguma segurança. Lembro-me de que nessa altura fiquei um pouco zangada por não me apoiarem. Agora que olho para trás, percebo que foi bom ter alguma coisa por que lutar. Depois passou-lhes.

Acha que era capaz de ir no tipo de flirt que o Peter (Sarsgaard) tem no filme (Uma Outra Educação)?
Não sei… Talvez, pois ele não parece nada sinistro. Aliás, é adorável. É que a personagem dele é irresistível, pois nada do que ele diz é errado. Mas ela vai com ele porque quer. Foi uma sedução assumida. E devo às Lone (Sherfig, a realizadora) esse equilíbrio, pois tanto ele como ela dirigem essa love story. É ela quem decide entrar no carro dele, no início do filme…

Não lhe parece que este tema da educação é relevante para o período e que vivemos?
É uma história de crescimento, por isso é sempre relevante. É apenas uma fotografia da vida de uma pessoa, mas que pode correr mal. No caso dela, aprende com os erros a forma como irá viver a sua vida. Acho que isso acontece a toda a gente…

É interessante a acção passar-se no início dos anos 60…
Sim, antes dos Beatles e dos Rolling Stones. O que torna a história mais interessante. É que nessa altura estava tudo muito estático. É como se ela vivesse numa jaula. Ela vive numa família errada. Os pais não a compreendem e ela não os compreende a eles também.

Quando era mais nova, era também assim rebelde?
Não, nada. Os miúdos eram capazes de ir fumar às escondidas, mas eu era incapaz. Na verdade nunca tive nada que me fizesse revoltar. Se calhar a coisa mais rebelde que fiz foi ser actriz.

Nessa altura, tinha essa noção de que a educação era a coisa mais importante na vida?
Sim. A minha mãe sempre quis que eu fosse para a universidade, mas eu nunca fui (risos). Por sermos obrigados a escolher tão cedo uma área, isso pode trazer algumas complicações. Eu ficava com a impressão de que aprendia coisas apenas para passar nos testes e não para o meu próprio interesse. Talvez por isso tenha reagido à minha própria educação. Hoje, por exemplo, vejo com muito mais clareza aquilo que gostaria de estudar. Mas se tivesse seguido, talvez tivesse perdido bastante tempo e dinheiro. Por isso não me arrependo. Agora estou mais interessada, mas também não tenho tempo…

Será tarde demais?
Não, não, porque podemos frequentar universidades abertas e estudar onde quer que estejamos. Apenas precisamos de tempo.

Com todos os projectos que tem, não considera a possibilidade de mudar-se para os EUA?
Não me parece. Gosto muito de Londres e não penso mudar.

Teve um papel interessante, ainda que secundário com o Johnny Depp, em Inimigos Públicos. Como foi essa experiência?
Como diz, foi bastante breve. Fazia o papel de uma prostituta e basicamente vestia um fato ousado e tinha algumas cenas com o Johnny Depp. Era uma loura platinada, tipo Jean Harkow. Foi divertido. Foi o filme que fiz, logo a seguir a este. Voei de Londres para Chicago e fiz tudo em jet lag. Mas acho que correu bem…(risos)

É verdade que viveu aqui na Alemanha?
Sim, em Dusseldorf. O meu pai era gerente de um hotel. A razão pela qual fui para um colégio interno foi porque ele foi trabalhar para Viena.

Isso significa que viveu parte da sua vida em hotéis?
Sim, até aos meus oito anos.

Como foi a experiência?
Eu adorava não ter uma casa como toda a gente. Talvez por isso me sinta sempre muito bem em hotéis. Lembro-me até quando fomos habitar pela primeira vez a minha casa, na Áustria, e usámos uma chave em vez de um cartão… (risos) Aliás, é para lá que gosto de ir quando não estou a trabalhar.

Isso significa que domina várias línguas?
Não, gosh, não! Sou capaz de entender alemão, mas não falo muito bem. Salvo quando bebo um copo e solto a minha inibição. Aí falo tudo…

Já teve a percepção de que as coisas estão a mudar para si?
Nem por isso, porque de qualquer forma eu teria seguido o mesmo caminho. Teria continuado a fazer filmes independentes ou, pura e simplesmente, a tentar obter trabalho. Talvez esta exposição toda tenha facilitado um pouco a oferta de trabalho, apesar de o filme ter passado um pouco despercebido. É bom sentir esta agitação toda e gostaria que ajudasse a que mais pessoas fossem ver este excelente filme.

Como é que lida com toda esta atenção?
Nesta altura, não dá ainda para sentir por toda a protecção e envolvimento com o filme. Por isso fiquei surpreendida quando saí do aeroporto e logo fui abordada por caçadores de autógrafos. Nunca me tinha acontecido.

Não gosta de tirar fotografias?
Por acaso, não gosto muito. Nunca fui muito boa nisso, embora as fotos que fiz para a promoção do filme saíram muito bem, porque tinha a Lone (Scherfig, a realizadora) explicou-me o que significavam exactamente e que eram necessárias para publicitar o filme. A diferença é que eram fotos feitas em privado e não no meio da multidão. Fico sempre com impressão de que estou a fazer uma pose. Talvez com 30 anos de carreira já saiba, mas agora não faço a mínima ideia.

O seu sotaque é londrino?
Sim, mas eu sou natural do Pais de Gales. Adoro ser galesa. São óptimos cantores!

Sim? E de que música gosta?
De tudo um pouco. Mas de muito de indie rock e folk. Gosto muito dos Vampire Weekend, por exemplo. Já não gosto muito do estilo house.

Deve viajar muito. Qual é a sua cidade favorita?
Nova Iorque.

Porquê?
Não sei, mas acho que ali é tudo um pouco mais vivo. Mas se calhar também porque fiz lá um filme que correu muito bem. E Londres. Sinto saudades de casa, porque tenho estado for a tanto tempo.

Consideraria a hipótese de mudar caso surgissem propostas de trabalho interessantes para viver nos Estados Unidos?
Não, não. Todos os meus amigos estão em Londres.

Desculpe, mas não resisto perguntar: já alguma vez lhe disseram que é muito parecida com a Audrey Hepburn?
(sorriso misterioso) Sim, por acaso, já…

Paulo Portugal, em Berlim


(publicado na revista Máxima edição de Maio)

Peter Jackson: “Interessava-me mostrar o que sucede depois da morte”

Na estreia da adaptação do livro homónimo de Alice Sebold, o realizador explicou os contornos deste filme onírico e dramático.

Depois da trilogia ‘O Senhor dos Anéis’ e ‘King Kong’, envereda agora por uma história muito mais naturalista, ainda que tocada por alguma fantasia. Foi um desafio consciente que quis seguir?

Não tenho exatamente um plano para os filmes que poderei fazer. Tenho mais certezas sobre o que não quero fazer. E o que não quero fazer é repetir-me a mim próprio. Esse é o único plano que tenho.


Apesar de se tratar de um drama profundo, percebe-se que o filme poderia ter seguido um caminho diferente, mais brutal. Acaba por ter uma abordagem mais positiva. Foi essa a sua intenção desde o início?

O filme que quisemos fazer nunca foi sobre o homicídio, nunca quis filmar a cena de uma menina de 14 anos a ser morte a violada. Nem queria que o público tivesse de passar por isso. Para nós, o filme não era sobre isso. O que nos interessava mostrar era o que sucedia depois de morrermos, bem como o lado de thriller, em que Susie Salmon (Saoirse Ronan) fica num estado em que tenta resolver o que lhe sucedera e punir o criminoso.

Calculo que o tenha fascinado a possibilidade de adaptar a parte mais fantástico e onírica do filme?

Logo que lemos o livro – primeiro a Philippa Boyens (argumentista) , que adorou e o passou à Fran Walsh (argumentista e companheira de Jackson), e depois a mim – decidimos incluir logo no guião esse “mundo paralelo” da Susie.

Nesse sentido, optou até  por um caminho mais complicado…

Concordo que teria sido fácil concentrar-me em aspectos mais negativos, se tivesse escolhesse esse caminho. Durante a adaptação, quisemos equilibrar a narrativa, até porque possui elementos muito positivos. E um deles é que a morte é apenas uma alteração física e de que o nosso espírito continua a existir. Essa é uma mensagem em que eu próprio acredito. Sim, é verdade que a nossa adaptação procura centrar-se nas coisas mais positivas do livro.

No entanto, esteve sempre ciente de que iria sempre usar efeitos especiais…

Os efeitos especiais vieram mais tarde, mas a criação desse mundo aconteceu logo no guião. E com a premissa de que não era um mundo físico e real. Partimos da ideia de que o espírito dela abandona o corpo e passa a habitar um ambiente subconsciente de sonho. A partir do momento em que decidimos este local, tornou-se muito mais aliciante jogar com as metáforas dos sonhos para contar este thriller em que nada parece o que é. É aí que entram os efeitos especiais.


Estará  neste livro alguma experiência da autora?

Realmente, adorei o livro da Alice. Mas ela sempre negou que fosse autobiográfico. É verdade que ela teve alguma experiências que relatou no seu livro de memórias, mas esse é um livro diferente. O ‘Visto do Céu’ é pura ficção.

A Saoirse Ronan já tinha dado provas do seu talento e foi memso nomeada para um Óscar, mas continua a ser uma revelação. Como se deu este encontro?

Foi durante o período de audições para a escolha de atrizes para o papel de Susie, até porque se trata de uma personagem americana. Depois de entrevistar mais de uma vintena de actrizes achámos que poderíamos fazer ainda melhor. Era uma personagem muito importante. Entretanto, chegou-nos pelo correio um DVD enviado pelo pai da Saoirse com imagens captadas no quintal na Irlanda e com belas interpretações de cenas de Susie. Muito naturais e realistas. Desde logo percebemos que ela tinha realmente captado a alma da personagem e percebido o tom. Parámos as audições e pensámos que tínhamos encontrado a Susie. Pouco depois encontramo-nos em Londres. É fantástico trabalhar com a Saoirse porque tudo parece vir de um lugar natural. Não existe uma técnica que venha de uma escola. Nunca lhe pedir para fazer alguma cena que ela não tivesse executado com enorme naturalidade.

 

Saoirse Ronan

 

O Peter já  afirmou que não acredita em nenhuma religião. Mas em algum ponto durante a elaboração deste filme as suas convicções se alteraram?

Na verdade, não me vejo como uma pessoa religiosa, no sentido que não subscrevo com as religiões organizadas. A própria história das religiões é muito mais política e poder geográfico do que uma crença religiosa. Eu tenho duas ideias que sustento: a primeira é que cada um deve acreditar naquilo que entende e, nesse sentido, o nosso filme não se destina de modo nenhum a fazer qualquer tipo de juízo de valor às crenças religiosas de cada um. Para nós, o mundo intermédio de Susie é um estado psicológico onírico e não um ambiente religioso. Há um momento no final do filme, quando está naquele campo e conhece as outras vítimas, que vê aquela luz dourada que supostamente representa o céu. É nessa altura que pode tomar a decisão de ir para onde desejar. Por conseguinte, essa luz pode significar o que cada um desejar. A outra ideia é que acredito nos princípios morais de todas as religiões são até bastante semelhantes. E não, os meus sentimentos não se alteraram durante o filme.

É inesperado ver o nome do Brian Eno na participação da banda sonora… Qual foi a colaboração dele no produto final?

Sempre tinha pensado que a banda sonora do filme seria com temas desse período. Um pouco como faz o Martin Scorsese. A ideia não era ter um ‘score’, mas vários temas. A Fran Walsh, a minha companheira e sócia, adora esse período e esteve muito ligada a esse movimento musical e inclusive numa banda ‘punk’. E tratou de fazer uma compilação de temas que poderíamos usar. Entretanto, tínhamos também um ou dois temas do Brian Eno, o instrumental ‘The Big Ship’ e ‘Babies on Fire’. Durante o processo de obter as licenças destes temas, contactámos o Brian que ficou muito interessado no projeto. Entretanto leu o livro e pediu-nos para compor a banda sonora. Pensámos que poderia ser interessante sobretudo para as cenas surreais. Durante esse processo comunicámos apenas por vídeo chat, pois nós estávamos na Nova Zelândia e ele na Inglaterra. Ele tocava trechos no seu estúdio e nós dávamos algumas sugestões. E assim se foi fazendo esta colaboração durante três meses.

Apesar de se tratar de um filme totalmente diferentes dos anteriores, a participação de efeitos visuais na construção da narrativa continua a estar presente. Está  a ver-se fazer um filme sem efeitos visuais?

Os efeitos visuais podem ser facilmente confundidos como um género em si. Mas, para mim, são apenas uma ferramenta usada pelo realizador. Tal como o uso de uma grua, de uma montagem rápida. Os efeitos visuais são outra ferramenta. Seja eles realistas ou fantásticos. Depende da imaginação de cada um. A mim sempre me interessaram os filmes de escape. No fundo, experiências que ultrapassam um pouco a vida. Os efeitos especiais sempre foram úteis para ultrapassar essa realidade.

Como está  a andar o seu projeto do filme Tintim?

Está a andar bem. Sim, vou realizar o segundo filme. O Spielberg (‘Tintim e o Segredo do Licorne’) não pode ficar com tudo… (risos).

Já  sabe qual deles irá ser?

Ainda não. Vou ter de pensar nisso.

Mas é fã da banda desenhada?

Sim, completamente. Sou um grande fã.

PERFIL

O realizador neozelandês é  uma das figuras de proa do cinema fantástico mundial. Depois de nos dar um mundo novo com a multipremiada saga ‘O Senhor dos Anéis” e ‘King Kong’, regressa agora um tema mais naturalista. Entretanto, adaptou as duas partes do romance ‘O Hobbit’ que será realizado pelo mexicano Guillermo Del Toro, que também produz. Entretanto, assegura a produção de ‘As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne’, que será realizado por Steven Spielberg. Jackson realizará a segunda aventura.

(entrevista parcialmente publicada no Correio da Manhã)

Alice in Wonderland: Fantasia em Real 3D

Mais de vinte adaptações depois, aí está a visão de Tim Burton sobre o alucinado ‘Alice no País das Maravilhas’ de Lewis Carroll. E em Real 3D! Quase 60 anos depois da animação da Disney de 1951. E em plena ressaca astronómica de ‘Avatar’. Vejamos, era difícil obter uma melhor conjugação de variáveis positivas. Ainda por cima com a máquina da Disney a fazer o marketing. Contudo, ao longo da projeção, vamos percebendo que há mais Disney onde devia haver Tim Burton. E uma certa lógica de videojogo (sim, o jogo aí está para a Wii e PC) destinada a agradar o público mais jovem. O que certamente levará muita gente ao cinema. Contudo, não parece ser um marco cinematográfico, nem um dos melhores filme de Burton.

Chega de bater no filme! Não será até fácil de mais menosprezar o que está feito? E não estariam as expectativas altas demais? Certamente. ‘Alice’ não deixará de ser uma viagem agradável e até com alguns momentos de grande cinema. Contudo, infelizmente, escapa-lhe de qualquer pretensão de obra-prima.

Em Londres, Burton admitiu à imprensa presente a sua proximidade à versão da Walt Disney Studios. E que ficou bem notada pelas fantásticas animações dos coelhos, restantes animais e personagens em convincentes imagens de CGI. Até porque antes da muito convincente australiana, Mia Wasikowska, cair no buraco que a leva a Underworld, nada, ou quase, se passa. Muito menos o efeito 3D. Uma trivial história de casamento arranjado da adolescente voluntariosa Alice com um jovem de boas famílias.

Depois, bom depois é quase como entrar no mundo de Pandora de ‘Avatar’. Quase, pois Burton não vai tão longe como Cameron e limita o filme em tempo, o que acaba também por complicar mais essa viagem. Contudo, pelo caminho, vibramos com grande parte das personagens, ainda que dificilmente consigam criar uma unidade entre si. Mas vistas isoladamente são brilhantes. Anne Hathaway na vaporosa Rainha Branca, a contrastar com a estridente e cabeçuda Rainha Vermelha, numa Helena Bonham Carter a tocar algumas das notas mais altas do filme (“Cortem-lhe a cabeça!”), mas também o velado e insinuante Crispin Glover. Menção especial para o patusco cão Bayard e o Gato Cheshire, com as vozes sublimes de Timothy Spall e Stephen Fry. E, claro, Johnny Depp, como o Chapeleiro Louco. Só que, a fazer de Johnny Depp e sem nunca perder uma aura agradável. Resta-lhe contudo o sotaque escocês.

Dá ideia que o guião de Linda Woolverton circulou cuidadosamente pelos dois romances ‘Alice’s Adventures in Wonderland’ e ‘Through the Looking Glass’ sem pisar, nem chocar ninguém.  Por isso gostamos, mas não deliramos. O que ‘Avatar’ conseguiu, apesar da história banalíssima, foi submergir-nos num mundo imaginário e levar-nos com essas personagens. Em ‘Alice’ recebemos o convite, mas torna-se difícil dar o salto para o outro lado do espelho…

 

Classificação: ***

 

Especial Alice in Wonderland: Johnny Depp, Mia Wasikowska e Danny Elfman

Admirável mundo novo… em 3D

Aí está o filme mais antecipado do ano e a concretização em 3D do mundo fantástico de Lewis Carroll, devidamente filtrado pelo imaginário surreal tão caro a Tim Burton. O CM encontrou-se em Londres, no luxuoso hotel Dorchester, para a apresentação à imprensa da equipa de ‘Alice no País das Maravilhas’. Para além do realizador Tim Burton, estiveram também presentes os produtores, Richard Zanuck e Joe Roth, o compositor habitual de Burton, Danny Elfman, e ainda uma boa parte do elenco encabeçado por Johnny Depp (o Chapeleiro Louco), incluindo Mia Wasikowska (Alice), Helena Bonham Carter (Rainha de Vermelha), Anne hathaway (Rainha Branca) e Crispin Glover (Valete de Copas). Uma coisa é certa, depois do delírio de ‘Avatar’, esta ‘Alice’ em 3D promete continuar a euforia tridimensional. E tanto agradará a adultos como a todos aqueles que cresceram com o imaginário da animação da Disney, prestes a completar 60 anos em 2011.

Esta aproximação ao imaginário da animação da Disney não é inocente. Foi o próprio Tim Burton quem confirmou essa “herança”: “Trata-se obviamente de um filme Disney”, admitiu o realizador, acabando por esclarecer que o que mais o entusiasmou foi a possibilidade de “abordar o mundo da Alice no Pais das Maravilhas num universo 3D.” Por outro lado, assumiu, “existem mais de vinte versões e nenhuma delas me convencia verdadeiramente. “ 

O efeito 3D convence e promete revolucionar a forma como vemos cinema. Foi mesmo o produtor Joe Roth quem confirmou esse dado incontornável: “Não me parece que todos os filmes em 3D vão ser um sucesso e nem todos terão de ser em 3D. Mas se o Spielberg estivesse a começar agora, talvez fizesse o ‘Tubarão’ ‘Indiana Jones’ em 3D, mas talvez não ‘A Lista de Schindler’ e ‘Munique’. É tudo uma questão do material, da história. 

Que o digam os filhos dos protagonistas que foram os primeiros a contactar com estes seres surreais. Helena Bonham Carter, deformada com uma cabeça enorme, no papel da hilariante e paranóica Rainha Vermelha, obcecada por cortar cabeças, deu o mote: “A minha filha (Nell) de dois anos ficou maravilhada com os ‘monstros’ e está sempre a dizer que os quer ver de novo”, confidenciou às gargalhadas “Já o Billy, o mais velho, de seis, vai ver hoje o filme na antestreia, mas não respondo por ele, pois é bastante sensível.” Por fim, em tom mais sério, deixou um agradecimento ao companheiro de longa data: “Sinto-me honrada de ele (Tim) ainda querer trabalhar comigo e de me deixar pertencer ao seu imaginário.

 

 

JOHNNY DEPP EM DISCURSO DIRECTO

“É um milagre que ainda me convidem”

Do que se lembra quando leu pela primeira vez este livro do Lewis Carroll?

Lembro-me de ler uma versão condensada quando tinha cinco anos e de ver a animação da Disney. Mas talvez as personagens tenham sido o que mais me ficou na memória. Acho que isso sucede até a quem não leu o livro.

Como encarou a maior densidade interior do Chapeleiro Louco?

Procurei aproximar-me dos lados mais extremos da personalidade. Entre a fúria e o medo ou leveza. E apenas tentei encontrar esse equilíbrio.

O que acharam os seus filhos desta versão de ‘Alice’?

Por acaso, eles já viram o filme e simplesmente adoraram. E não ficaram nada assustados.

Qual é a sua receita para o sucesso?

É um milagre que ainda me convidem depois de alguns filmes que eu fiz… (risos) Nessa altura, o Tim tinha de lutar com os estúdios para me conseguir contratar, mas depois do sucesso de ‘Piratas das Caraíbas’ isso passou. 

Trabalha com o Tim há sete filmes. Como tem evoluído essa relação?

Conhecemo-nos há 20 anos com ‘Eduardo Mãos de Tesoura’. A minha escolha para esse filme foi uma questão de sorte. Ao longo dos anos temos desenvolvido uma certa cumplicidade. Sempre adorei a sua visão e de fazer aquilo que quer e como quer. É um dos verdadeiros autores.


 

 

MIA WASIKOWSKA

É uma das actrizes de quem se fala. Apesar de ser ainda desconhecida, não ficou nada intimidada com o papel de Alice. “Há sempre uma certa dose de pressão quando se interpreta uma personagem tão querida de todos. Mas desde o início decidimos deixar de lado esse passado e deixar libertar essa imagem de adolescente icónica e tentar aproximá-la do público.”

 

DANNY ELFMAN

No 13ª filme de Tim Burton que compõe, o genial (e multipremiado) Danny Elfman explicou que já está habituado ao estilo de trabalhar do realizador: 

“É uma viagem que nunca se sabe onde acabará. Nesse sentido não difere dos outros filmes. É um universo cheio de surpresas. Igualmente difícil do que era há 25 anos atrás; mas sempre reconfortante. Valeu sempre a pena.” 

 

 

Paulo Portugal, em Londres 

Shutter Island: terapia Scorsese DiCaprio

Na quarta colaboração com DiCaprio, Scorsese arrisca no género de terror série B. Dominador de estilos e géneros como ninguém, ele encena o ambiente de um asilo de alienados na ilha de Shutter, mas esqueceu-se de supervisionar um guião demasiado explicativo e cansativo que acaba por desgastar a imagem de Leonardo, presente em quase todas as cenas.

No final, a investigação que Leo e Mark Ruffalo fazem ao desaparecimento de uma mulher acusada de assassínio acabará por reflectir-se num interessante exercício de estilo, mas sem chegar a atingir o estatuto que notabilizou o realizador. Terá sido por isso adiada a estreia para Fevereiro, após os Oscars? Seja como for, é iimpecável o domínio da ‘mise en scène’ e dos secundários.

DiCaprio bem se esforça, mas começa a denotar necessidade de mudança de registo.
Classificação: **

 

‘Apart Together’, de Quanan Wang

A primeira surpresa foi a escolha de Dieter Kosslick, o director da Berlinale, para abertura do certame. ‘Apart Together’, a tradução britânica para ‘Tuan Yuan’, do chinês Quanan Wang, vencedor do Urso de Ouro em 2007, por ‘Tuya de hun shi’, trilha a narrativa sobre o retorno à China continental dos expatriados chineses para Taiwan depois da guerra civil de 1949. Contudo, apesar da boa vontade, e até de uma narrativa escorreita, com o olhar estrangeiro de um retornado que procura na China cosmopolita moderna, os indícios do passado, e, sobretudo, a possibilidade se reencontrar com um amor interrompido, ainda que com a conivência do novo marido, são material fértil para uma boa história, para um bom filme.
Nota-se até um cuidado em adornar os detalhes do ambiente familiar e da passagem do tempo segundo as regras clássicas. Só que Quanan Wang não é nenhum Ozu, nem ‘Apart Together’ tem o enlevo de ‘Viagem a Tóquio’ ou ‘O Gosto do Saké’. Percebe-se a proximidade entre os irmãos divididos pelo muro de Berlim, reconhece-se mérito da composição das cenas de convívio familiar em redor da mesa, mas nunca paira aqui o sinal de filme marcante.
‘Apart Together’ mostra uma China em avassalador progresso, como diria hoje Zhang Yimou, em entrevista, que “altera o presente em cada dia que passa”. Foi assim a abertura em ritmo certo. Algo pachorrento, diria. Sem ondas. Nem sobressaltos. Nos 60 anos da Berlinale.

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