Classificação: ***
Ama-San é um filme japonês português. Sim, Cláudia Varejão ficou fascinada por estas mulheres japonesas pescadoras e fez-se literalmente à estrada para captar essa realidade no litoral japonês. O resultado tem encantado públicos em festivais em todo o mundo. Piscámos-lhe o olho em Istambul, depois confirmámos a sua presença na programação de Karlovy Vary e, finalmente, no DocLisboa, onde este documentário viria a ganhar a secção competitiva nacional.
Este é um filme sobre ritos e rituais, sobre a tradição ancestral da pesca artesanal do marisco e sobre todos os preparativos que antecedem esta atividade milenar praticada por mulheres que já ultrapassaram a meia idade e, em muitos casos, percebemos que são mesmo idosas. As mesmas que veremos depois a tratar dos netos e a cantar karaoke. Mas já lá vamos.
Uma das cenas mais belas de Ama-San mostra o extremo cuidado com que uma Ama (literalmente, mulher do mar) vai dobrando sobre a cabeça o lenço creme que lhe cobre o cabelo. As dobras, os laços, a forma precisa como este elemento é colocado. As outras mulheres vão ajudando para que o resultado final seja perfeito.
Afinal de contas, estamos no Japão, mais precisamente na península de Ise, onde estas Ama-San vão mantendo vivo o mergulho em apeneia para pescar moluscos diversos. A portuense Cláudia Varejão observou de perto esta atividade compondo este belo registo documental, complementado por um levantamento fotográfico e etnográfico complicado num livro de edição limitada. O resultado é Ama-San. Tem de se ver.
De alguma forma, este registo faz-nos recordar um outro filme belíssimo sobre a atividade marinha, Rabo de Peixe, de Joaquim Pinto, ou até, se quisermos, a atividade replicada em É o Amor, de João Canijo. Mas não estamos bem aí. Até porque isto é o Japão, o que nos empurra para um cenário e cultura diferentes. Algo que a câmara de Cláudia Varejão soube aproveitar em seu benefício. Ajuda-a o facto de ser fotógrafa e de saber explorar os espaços com a devida distância, mas não sem captar de forma coerente a vida destas mulheres. Dir-se-ia com um respeito semelhante à câmara de Ozu. É o amanhar do pescado, o trato doméstico com os mais novos, o cuidado com as refeições, bem como o divertimento sereno a cantar karaoke, como que a evocar os antepassados. E há ainda as belas imagens subaquáticas. Na verdade, quanto mais vemos (ou mergulhamos) mais pequenos tesouros vamos encontrando neste muito belo filme português japonês. Em que as sereias também cantam karaoke.