Nomeada para a Palma de Ouro em Cannes, a nova comédia de Bruno Dumont é frenética, excêntrica e bizarra. E no frenesim de querer ser tudo, acaba por ser muito pouco. Fica a brisa marítima e a lembrança de uma Juliette Binoche num overacting de que não há memória.
Intensas, sonoras e solitárias. É a descrição das gargalhadas que se fizeram ouvir na antestreia de Ma Loute, a longa-metragem do francês Bruno Dumont que chegou esta semana às salas portuguesas. A reação sonora durante as duas horas de filme veio apenas de um corpo e, ainda que a maioria nunca determine o bom gosto nem a competência de um filme, aqui a democracia impõe-se.
Estamos na belle époque, ainda cheira a Revolução Francesa, quando uma série de desaparecimentos acontece na Slack Bay, no norte da França. Os inspetores Machin e Malfoy deslocam-se até à área para perceber o que se passa, mas o caso é mais difícil do que aparenta. Tal como todos os verões, a família Van Peteghem chega para passar as férias à baía, onde há pescadores cujas botas se enchem de água para levar ao colo as madames que se predispõem a atravessar.
O confronto das classes sociais que coabitam este ambiente será um dos pontos mais interessantes do filme do realizador francês que já foi distinguido por duas vezes com o grande prémio do Júri no festival de Cannes (com L’Humanité, 1999, e mais tarde com Flandres, 2006).
A dicotomia burguesia vs proletariado: de um lado está uma família burguesa, os Van Peteghem, e do outro está uma família de pescadores, os Brufort, é o gancho. E é de cada um destes clãs que sai o casalinho que compõe uma história de amor no mínimo peculiar mas que dá algum alento à balbúrdia que é este Ma Loute. O título é o nome do reservado pescador que esconde um segredo terrível. Um não-ator que aqui não se arrisca em águas profundas, com pouco texto e pouca direção de atores. Por oposição está a filha da desequilibrada Aude (Juliette Binoche). Essa cúmplice da narrativa amorosa é das personagens mais intrigantes do filme, com o seu género a permanecer envolto numa ambiguidade desejada. Com duas personagens tão distintas perguntamo-nos: quem alimenta quem? Se vir o filme talvez chegue a uma conclusão (pelo menos na ascensão física do termo).
Mas excluindo l’ amour, há que falar no elenco de luxo que é este Ma Loute. Fabrice Luchini, Juliette Binoche e Valeria Bruni Tedeschi enchem o ecrã nesta frenética e excêntrica obra. E adquirem as mesmas propriedades. É ver estes atores a desdobrarem-se em trejeitos, caretas e artifícios, numa caricatura que se fica pela bizarria descontrolada.
O que é extravagante e pouco ortodoxo pode muitas vezes ser sinal de genialidade, mas este não é certamente o caso. Há metáforas e alusões inteligentes neste Ma Loute, mas cai no registo de caricatura óbvia, fácil e – francamente – sem graça, ao contrário de O Pequeno Quinquin, apresentado na Quinzena dos Realizadores em Cannes, em 2014. Ma Loute é um experiência cinematográfica singular que valerá para os curiosos. Nada mais.
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