Há algo de premonitório e urgente no filme documento de uma vida Varda por Agnès. No fundo, como se Agnès Varda pressentisse os limites da sua própria existência (que cessaria semanas depois da estreia mundial do filme no passado festival de Berlim) e não desejasse deixar-nos sem uma derradeira lição de cinema, afinal de contas o que acaba por ser o autobiográfico Varda por Agnès.
É Varda diante de uma plateia que vemos no início após o visionamento de um filme seu. Tal como essa proximidade do público está tão presente na sua obra de ficção e documental. Nesse sentido, é ela já depois de ter ultrapassado os 90 anos que está na tela (no palco) a optar por esse lado coloquial, que tantas vezes foi o seu cinema, a falar com o público. Talvez por saber que não poderá dar seguimento a um outro projeto, como Olhares, Lugares (2017), realizado em parceria com JR, e exibido no festival de Cannes (ela que foi o cartaz da edição deste ano do festival), deleita-se (e a nós) a contar histórias do seu cinema.
Recordará, por exemplo, as peripécias de rodagem de uma cena com um barco com Robert De Niro em Les Cent et une Nuits de Simon Cinéma (1995), um filme carregado de estrelas e dedicado à memória do cinema, e que, segundo assumiu, com um flop total. Ou Sandrine Bonnaire, no seu lado o momento punk de Sem Eira Nem Beira, ainda com apenas 17 anos, e com algum afeto a forma dura do seu próprio trabalho. Talvez por gostar de se aproximar perigosamente de uma realidade documental.
Varda abordará ainda Cleo de 5 a 7/Duas Horas na Vida de uma Mulher (1962), um dos seus filmes maiores, sem esquecer naturalmente Jacques Demy, o seu marido, da viagem de ambos a Hollywood, do encontro com os Black Panthers, bem com da sua paixão pela fotografia e o desenvolvimento das colagens. Varda por Agnès é tudo isso. Enfim, o cinema como a sua praia.