Quarta-feira, Outubro 9, 2024
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Rodeo: a fúria com uma mota entre as pernas

Nasci com uma mota entre as pernas!, dirá em jeito de credo confessionário a amazona motoqueira Julia (Julie Ledru), oriunda de uma família disfuncional, no início de Rodeo, a estreia no longo formato da parisiense Lola Quivoron. Isto depois de se apropriar de uma bécane (mota na gíria francesa), ao proprietário incrédulo, e acelerar a toda a brida. Entre o cheio a borracha e combustível queimados, o filme arranca numa vertigem que alia o estilo visual ao ritmo hiperativo. Sim, Rodeo afirma-se pela potência no mais alto regime, embora sem reparar que vai perdendo gás muito mais cedo do que o esperado. Vencedor, o ano passado, em Cannes, de um prémio na secção Un Certain Regard, e recentemente exibido no IndieLisboa, Rodeo chegou esta semana às salas de cinema.

A câmara segue e jovem acelerada e implicada com uma urgência social que inevitavelmente nos recorda Rosetta (1999), dos manos Dardenne, não deixando de piscar o olho à série Fast and Furious, não só pela iconografia motorizada, mas também pelo McGuffin latente, como forma de doirar um guião incapaz de impor as forças e fraquezas de Julie. Em certa medida, não estamos muito longe da curta Au Loin, Baltimore, com que Quivoron se afirmou, há alguns anos atrás, em 2016, e de que Rodeo parece ser apenas uma versão mais alargada.

É pena perceber que o shot de adrenalina inicial passe depressa demais e ceda a uma história demasiado rendida às (escassas ainda que vistosas) sequências de cultura street bike. A todo o custo, Julie pretende juntar-se a um grupo de ‘cavaleiros’ de um ‘rodeo’ acrobático identificado com esse estilo de vida, demasiado masculino e demasiado fechado para acolher esta jovem impregnada de uma fúria viver em cima da mota. O problema é que a solução narrativa encontrada depressa abranda o potencial inicial deixando pouco espaço para que Julie alinhave uma linha narrativa com espessura suficiente para nos faça vibrar pela sua causa. Algo que a faça dar ‘salto para a frente’ que a imagem e a mota a todo o momento nos sugere.

A certa altura, uma personagem (que irá ser sacrificada pelo dramatismo da história) explica à jovem como fazer a moto gritar de energia, erguendo-se em todo o esplendor apenas na roda de trás: “basicamente, é só fazeres, 2ª – 3ª; 2ª – 3ª! Estás a ver?”, explicando a maximização do poder de força na gestão da caixa de velocidades. Sim, estamos a ver. Tal como vê o gang do asfalto que percorre a estrada livre até que a chegada a polícia estrague a festa.

Percebe-se que desde a estreia em Cannes, Rodeo tenha vindo a inflamar um discurso hiperbólico na imprensa internacional, mas também nacional, provavelmente, rendidos à mélange entre a sua causa de género, a piscar o olho ao credo feminista punk de Titane, apesar de nunca verdadeiramente abandonar a sua timidez. Além das óbvias referências à liturgia do asfalto, a la Velocidade Furiosa (sim, a nova edição está a achegar!). Quando no final se esboça o interior inflamado da alma de Julia, já há muito que a alma do filme se perdeu.

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