Domingo, Abril 28, 2024
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Dentro do ‘cinenigma’ de Fernando Pessoa

The Nothingness Club - Eu Não Sou Nada: queres ser o poeta e todos os seus heterónimos?

Edgar Pêra é, sem exagero nem favor, o cineasta mais inventivo do cinema português. Em The Nothingness Club – Não Sou Nada, comprova-o uma vez mais, aliando a técnica à imaginação sem necessidade de grandes truques de cinema. E sem recorrer ao ‘algoritmo pipoca’, como nos confessa na nossa entrevista. É assim que nos acerca, de forma inventiva, da mente atormentada e densamente povoada do poeta Fernando Pessoa. 

Porque não abordar o interior do imaginário pessoano como o cenário de um clube privado povoado por um pequeno exército de heterónimos e entidades inquilinas? E que se comportam como funcionários diligentes, matraqueando as teclas nas máquinas de escrever, ao mesmo tempo que traficam palavras por imagens e monólogos interiores por fragmentos de filmes. O resultado desfolha-se num fascinante e delicioso enigma em formato de universo paralelo. Ainda assim, pasme-se, num trabalho mais narrativo que grande parte dos filmes anteriores de Pêra. Até mesmo, Homem Pykante (2019), em que adapta o poeta Alberto Pimenta.

Victoria Guerra como Ofélia Queirós

Apesar de desafiar qualquer comparação, talvez não seja excessiva uma proximidade com o arrojado e inventivo Queres Ser John Malkovich?, concebido por Spike Jonze, em 1999. Temperado talvez com um estilo de gag, embora em tom sério, do grupo Monty Python. A essa aparente seriedade irrompe um vírus noir feminino, assumido por uma Victoria Guerra muito fatale a incorporar Ofélia Queiroz, a única namorada do poeta Fernando Pessoa, este devolvido com o requinte e a contenção do incontornável Miguel Borges. É então por aqui que se vai desafiando a ‘autoridade’ do avassalador imponente Álvaro de Campos (servido com a eficácia imperial de Albano Jerónimo, o ‘Wolverine’, como lhe chamava nossa entrevista). Por lá também militam, como seria de esperar, Ricardo Reis (Vítor Correia), Alberto Caeiro (Miguel Nunes), o Barão de Teive (Paulo Pires), entre tantíssimos outros nesta claustrofóbica tertúlia do Nothingness Club, que poderia também assumir o perfil de um ginásio terapêutico.

Albano Jerónimo imperial em Não Sou Nada

Este emotivo reflexo visual vem cosido por uma eficaz banda sonora que articula as palavras dos textos originais de Pessoa como se de uma tapeçaria se tratasse. A esse novelo fascinante e desafiador se entregou Luísa Costa Gomes, na adaptação inicial, embora depois, como nos confessa Pêra, assumido pelo próprio, numa segunda versão, já no ambiente claustrofóbico facilitado pela pandemia.

The Nothingness Club é assim ‘cinenigma’ que importa descobrir, em mais uma produção da Bando à Parte, de Rodrigo Areias, com distribuição assegurada pela Nitrato Filmes. Este um filme que vê finalmente a luz do dia, pois estava pronto há mais de um ano e teve a sua estreia mundial, em janeiro passado, no Festival de Roterdão. Chegou agora a hora de entrar neste ‘Cinenigma’ de Edgar Pêra. 

Paulo Portugal
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